O dólar voltou a ultrapassar os R$ 4,00 e o Brasil é
mais uma vez um minúsculo Chihuahua atordoado em meio a uma briga de cachorro
grande. A preocupação dos mercados internacionais é de que a guerra comercial
que já dura dois anos entre
China e EUA descambe para uma desestabilizadora guerra cambial.
A ascendência econômica da
China inquieta os americanos, que têm reagido de forma
intempestiva. Desde 1979, a economia chinesa cresceu a uma taxa de
quase 10% ao ano no
decorrer da expansão sustentável mais vertiginosa de
um país em toda a história, que tirou 800 milhões de chineses da
pobreza ao se abandonarem as políticas econômicas socialistas. Em
dólares nominais, a economia
da China pode superar a dos EUA em menos de 20 anos.
As reações desastradas dos
EUA têm sido inspiradas por um mercantilismo atávico
do século XVIII. Trump imprimiu um populismo
protecionista e desistiu da longa política de dólar
forte. Considera equivocadamente que o déficit
comercial com a China é tóxico e que as tarifas de
importação sobre produtos chineses são mais prejudiciais à China
do que aos americanos que pagam mais caro por tais
produtos. Seu protecionismo é sádico, mas sofre como masoquista.
A intensificação
da guerra comercial por Trump via o anúncio de
tarifas adicionais gerou pressão para a moeda chinesa se
depreciar. Recentemente, rompeu-se o nível
psicologicamente relevante de 7 Yuan por dólar.
Desgraçadamente, o governo americano interpretou
a esperada depreciação como uma manobra deliberada e
oficialmente decretou o país
como manipulador de taxa de câmbio, o primeiro caso desde 1994.
Se há alguma manipulação, é o oposto do que se
imagina: o banco central chinês tem torrado reservas para sustentar artificialmente
a moeda, ou seja, haveria desvalorização ainda maior caso não interviesse.
Até agora a disputa cambial tem sido uma
"guerra fria" na qual os principais bancos centrais se eximem de
intervir diretamente nos mercados de moedas como na guerra convencional. Mas,
como não querem que sua moeda permaneça forte, alternativamente promovem corte
de juros, injeção forçosa de dinheiro novo, juros negativos,
e tweets beligerantes.
Há um precedente para uma eventual guerra
cambial. Após décadas de crescimento, o Japão do início da década
de 1980 era a potência ascendente que superaria os EUA até o ano
2000, previa-se. Como hoje, o dólar estava forte, e havia
um grande déficit comercial. Em 1985, no Acordo do Plaza, os EUA
convenceram seus parceiros do G-5 a intervir nos mercados para desvalorizar o
dólar frente ao Yen.
A estratégia logrou desvalorizar o dólar em 40%,
mas não corrigiu o estrutural déficit comercial com o Japão. Com
sua moeda fortalecida, os conglomerados japoneses passaram a comprar tudo
nos EUA, de siderúrgicas ao Rockefeller Center, gerando um pânico irracional. O
dólar seguiu desvalorizando mesmo após cessarem as
intervenções. Assustados e desejosos de conter a queda do
dólar, os EUA costuraram um novo acordo de intervenções em 1987, o Louvre, que fracassou:
o dólar continuou desvalorizando, e produziu-se o "crash" da
bolsa na segunda-feira negra em outubro de 1987.
Durante os últimos 20 séculos, as maiores economias do
mundo foram China e Índia, exceto nos últimos dois séculos XIX e XX, devido à ascensão
do capitalismo no Ocidente. Com a chegada da economia de mercado ao
Oriente, o século XXI representa apenas a volta à normalidade, com o
retorno da populosa Ásia à liderança.
Reagir irracionalmente ao
inevitável pode gerar consequências não-previstas e uma nova crise de
grandes proporções.
Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo