O
presidente do IMB, Helio Beltrão, concedeu uma entrevista aos organizadores do Fórum
da Liberdade. Dentre os assuntos
abordados, a crise financeira que começou em 2008 e se arrasta até hoje, o
futuro do Brasil, empreendedorismo, e a 6ª posição da economia brasileira no
mundo.
FL
— O filme que será debatido na sessão de amanhã ["Trabalho Interno" (Inside Job)] abordará a crise financeira
de 2008, que trouxe sérios danos para a economia mundial. Como você vê o envolvimento do Brasil na crise
e quais os resquícios que o país traz dessa situação?
Beltrão
— As empresas e os cidadãos brasileiros sofreram relativamente pouco com a
crise, por dois fatores primordiais. Em primeiro lugar, o governo
brasileiro foi obrigado, por demanda popular, a fazer ajustes nas contas
públicas, na inflação e no balanço de pagamentos a partir de 1995. Desde
então, a inflação tem permanecido relativamente baixa, as contas públicas estão
sob controle (ainda que ao custo de altíssimos impostos) e o câmbio flutuante
tem evitado as crises de balanço de pagamentos. O resto do mundo, ao
contrário, migrou de gestões públicas conservadoras para a gastança e déficits
recentemente. Portanto, no "concurso de feiúra" para atrair capitais, o
Brasil é um dos "menos feios", e segue atraindo capital externo, fundamental
para o crescimento econômico.
Adicionalmente,
o setor financeiro brasileiro é mais conservador e sólido que o dos países
desenvolvidos. Aqui, os gestores e acionistas dos bancos são obrigados a
garantir perdas com seu patrimônio pessoal, o que não ocorre nos Estados
Unidos, por exemplo. Ademais, os índices de capitalização são muito
maiores, o que significa que, em caso de perdas, os acionistas incorrem em
perda, mas a chance de quebra é menor. Finalmente, os juros e os depósitos
compulsórios mais altos que no exterior dificultam uma farra de crédito
desenfreada e, portanto, dificultam a criação de bolhas artificiais.
As
lições que devemos tirar é que não podemos abrir mão desses fatores que
contribuíram para essa notável resiliência brasileira. Mas estou
preocupado, pois 1) a inflação brasileira está mais alta (cerca de 6,5%) que a
de outros emergentes comparáveis, 2) as contas públicas estão sendo mascaradas
com truques contábeis, principalmente com créditos criados para benefício do
BNDES, onde ocorre o dispêndio, e 3) os juros estão sendo reduzidos, exatamente
como ocorreu nos países desenvolvidos nos anos anteriores à crise.
FL
— Um dos temas do Fórum da Liberdade deste ano tratará sobre o que o Brasil
tem a aprender com os outros países. Há
quem diga que a crise de 2008 vem se mostrando desde crises anteriores, como a
crise asiática de 1997. O que o Brasil
pode tomar como lição desde essa época e levar para os próximos 25 anos?
Beltrão
— Essa é uma excelente pergunta. Aqui no Brasil, o setor privado sofreu
com crises e pacotes do setor público a cada dois anos durante a década de 1980
e a primeira metade dos anos 1990. A
gestão pública era um desastre, e o Banco Central imprimia dinheiro criando
superinflação, única forma para que o governo fechasse suas contas.
Sabemos que a má gestão pública foi o principal fator para a nossa década
perdida (que na verdade durou 15 anos).
Hoje
o mundo desenvolvido está praticando a mesma política de imprimir dinheiro que
nós aqui adotamos naquela época. A estratégia adotada é tentar impedir
que a crise se instale por meio da impressão de dinheiro. Isso passou a
ocorrer de forma mais intensa logo após o estouro da bolha da internet em
2000. Quando a crise maior chegou em 2008, os Bancos Centrais injetaram
ainda mais dinheiro novo, para evitar a crise. A situação, no entanto,
não tem melhorado, e as crises ameaçam ocorrer em intervalos cada vez menores,
exigindo volumes crescentes de injeção de dinheiro público e comprometendo as
finanças dos governos. Isso não irá acabar bem.
A
lição — que os brasileiros aprenderam a duras penas nos anos 1980 — é que não
é possível prosperar através da impressão de papel pintado com fotos do
Benjamin Franklin (ou da arara azul). O maior perigo reside no monopólio
detido pelo Banco Central do Brasil para a gestão do nosso dinheiro. Esse monopólio tende a ser abusivo, e se
estende a um conluio e a interesses comuns com o setor bancário. Já está
na hora de discutir o fim
do monopólio do Banco Central, cujo nome já denota a natureza
centralizadora de poder, que já se provou ineficaz e prejudicial em várias
outras frentes (no dia 2 de
fevereiro, ocorrerá, na Fecomércio, em São Paulo, um importante debate sobre o
fim do monopólio dos Bancos Centrais, com a presença do economista
norte-americano Steve Horwitz e do economista Paulo Rabello de Castro. Eu também serei debatedor).
FL
— Outra questão que será debatida na 25ª edição do Fórum da Liberdade abordará
os empreendedores que farão o futuro. Em
sua opinião, que empreendedores serão esses? Quem serão os profissionais que farão o Brasil
de 2037?
Beltrão
— O empreendedor brasileiro é um herói, pois obtém êxito a despeito de todos
os absurdos obstáculos que os governos federal, estadual e municipal colocam em
sua jornada. O meu pai dizia que "o Brasil é uma ilha de iniciativa
cercada de governo por todos os lados". São várias dúzias de impostos e
milhares de exigências burocráticas, regulando toda e qualquer forma de
produção e de comercialização. É um regime cartorial que protege as
grandes empresas, que podem influenciar as leis e regulamentações em seu favor
e em detrimento do pequeno.
O
empreendedor brasileiro de sucesso será aquele que, além da monumental
capacidade de perceber uma oportunidade de lucro e de executá-la melhor que
seus competidores, consiga navegar nesse emaranhado de obstáculos que parecem
desenhados para fazê-lo fracassar.
FL
— Em 2011, o Brasil atingiu a posição de 6ª maior economia no mundo,
ultrapassando o Reino Unido. Como você
vê o Brasil hoje no cenário econômico mundial? Você acredita que o País vai continuar
crescendo economicamente? De que
maneira?
Beltrão
— Não vejo essa conquista como algo a celebrar, afinal a estatística vai bem,
mas o povo vai mal. O que importa para
cada um de nós é o padrão de vida. Este, em geral, tem melhorado, mas a
um ritmo muito aquém do potencial, e permanece muito abaixo do padrão de vida
de qualquer país desenvolvido. O caminho é longo, e passa pelo governo
regular e taxar menos, para que o empreendedor possa empreender mais.