segunda-feira, 18 nov 2019
É fato: a situação fiscal do governo seguirá
calamitosa nos próximos 10 anos, mesmo com a aprovação da Reforma da
Previdência.
O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a evolução
das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das restituições e
incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas. Detalhe: as
despesas não incluem o pagamento do serviço da
dívida (juros e amortizações).
Atenção:
como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se
refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões
significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou
despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor
anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).

Gráfico 1: na linha azul, a evolução das
receitas tributárias líquidas do governo; na linha vermelha, a evolução das
despesas primárias (que exclui gastos com a dívida). Média móvel 12 meses.
(Fonte e gráfico: Banco Central)
Perceba que, até 2014, havia um superávit
primário. Ou seja, quando se desconsidera os gastos com o serviço da
dívida, o governo arrecadava mais do que gastava. A partir do final de 2014, a
realidade se inverte, e o governo passa a ter um até então inédito déficit
primário, isto é, o governo passa a gastar mais do que arrecada, mesmo sem
considerar os gastos com a dívida.
Já o gráfico a seguir, também em forma de média
móvel, mostra a evolução das receitas e das despesas da previdência social (no
caso, apenas o INSS; este gráfico não abrange o RPPS, que é a
previdência do setor público, ainda mais deficitária; e também não abrange os
militares; e nem o Fundo Constitucional do DF. Não é minha culpa. É o único
gráfico disponibilizado pelo Banco Central).

Gráfico 2: na linha vermelha, as
receitas da Previdência Social; na linha azul, os gastos com benefícios
previdenciários. Média móvel 12 meses. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Observe que sempre houve déficit, mas, a partir de
2015, com o aprofundamento da recessão (aumento do desemprego, redução no ritmo
da arrecadação e aumento dos gastos previdenciários do governo), o déficit se
acelera. A arrecadação desacelera (aumento do desemprego e da informalidade) e
os gastos aumentam (mais auxílios para um número cada vez maior de pessoas).
Atualmente, o déficit do INSS é de aproximadamente
R$ 18 bilhões por mês, o que equivale a aproximadamente R$ 210 bilhões por ano.
E, de novo, isso apenas para o INSS.
Quando se junta tudo (funcionários públicos, militares, e fundo constitucional
do DF), o rombo é de R$
290 bilhões por ano.
E isso apenas em nível federal. Se você acrescentar estados e
municípios, a coisa chega facilmente a R$
380 bilhões.
Como não há mais de onde arrecadar, e dado que os
gastos governamentais são constitucionalmente rígidos — ou seja, é legalmente
proibido cortar —, a única alternativa para o governo fechar as contas (isto
é, fechar o espaço que separa a linha azul da linha vermelha) é se endividar:
ele tem de recorrer ao mercado e pedir dinheiro emprestado, pois só assim ele
pode cobrir seus déficits orçamentários.
Como consequência, a trajetória do endividamento do
governo se tornou assombrosa.
O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta
do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um
acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que
foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits — dinheiro
este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o
financiamento de investimentos produtivos:

Gráfico 3: evolução da dívida total do
governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)
Assustado?
Por
enquanto, tudo tranquilo no mercado financeiro
Não obstante estes números, o mercado financeiro,
sedado por juros internacionais em queda livre, está complacente e negocia o
risco Brasil em níveis inéditos, a
120 pontos contra 290 de um ano atrás.
Não me parece apreçado no risco Brasil o contínuo ataque
dos inflacionistas ao seguinte arcabouço de responsabilidade fiscal: a) regra
de ouro, que impede que o governo contraia dívida para efetuar gastos
correntes, b) lei de responsabilidade fiscal, que limita despesas com pessoal e
endividamento, e estabelece mecanismos de equilíbrio entre receitas e despesas,
e c) teto
de gastos, que impede que as despesas cresçam acima da inflação.
Estamos travando a mesma batalha de 1932, quando Keynes,
Pigou e Fisher pregavam impulso
fiscal e monetário em meio à crise fiscal que se seguiu à crise
de 1929, enquanto Hayek
e Robbins defendiam
que o investimento privado deveria liderar a recuperação econômica.
Keynes venceu a batalha naquela ocasião ao
prescrever exatamente o que os políticos queriam: concretizar gastos. Como bem disse
Hans-Hermann Hoppe:
O
keynesianismo ensina exatamente tudo
aquilo que políticos e governos querem ouvir. [...] O keynesianismo é a teoria
econômica favorita dos políticos simplesmente porque ela lhes concede um
arcabouço supostamente científico para fazer aquilo que eles mais gostam:
gastar dinheiro.
A
teoria keynesiana diz que os gastos do governo impulsionam a economia;
que expandir o crédito (melhor ainda se for subsidiado) gera
crescimento econômico; que os déficits do governo são a cura para uma
economia em recessão; que inchar a máquina estatal, dando emprego para
burocratas, é uma medida válida contra o desemprego (quem irá pagar?); que
regulamentações, se feitas por keynesianos, são propícias a estimular o
espírito animal dos empreendedores. E, obviamente, que austeridade é péssimo.
Desde então, o keynesianismo escancarou aos
políticos as comportas da irresponsabilidade fiscal e monetária.
Em 2019, André Lara
Resende baseia-se na keynesiana Teoria Monetária Moderna (Modern Monetary
Theory - MMT) para receitar que o governo gaste mais e imprima mais dinheiro
nesta crise fiscal. E, na mídia, acadêmicos
recorrentemente fazem eco ao mote de "gastar e imprimir".
Dilacerar as políticas de responsabilidade,
incorrendo em rombos e mais dívida, tornou-se a nova política econômica
defendida por esses intelectuais. O espantoso é que esta
foi precisamente a política que causou a atual crise.
Parafraseando seu guru Keynes, preferem esbanjar
hoje, pois, no longo prazo, não mais estarão aqui para pagar a conta.
Bomba-relógio
Enfrentar nossa
crise fiscal não é um tema ideológico, mas de cifras de endividamento que
teimam em ser inflexíveis. Não há ideologia que refute ou altere a realidade
demonstrada pelos gráficos 1, 2 e 3.
Adicionalmente, trata-se de um tema temporal, um
conflito entre gerações. Temos hoje de arcar com obrigações previdenciárias
contraídas na geração anterior, as quais são impossíveis
de serem quitadas pelos impostos da geração atual. Consequentemente, o
estado se endivida para bancar estas obrigações assumidas no passado. Só que esse
endividamento crescente, que viabiliza artificialmente a manutenção de todo este
arranjo, é impossível de ser quitado integralmente pelas gerações futuras.
Há 240 anos, Adam Smith dizia que "quando a dívida
pública alcança certo nível, não é mais paga integralmente; a falência do
governo é disfarçada por pagamentos de faz de conta." Smith se referia aos
meios que o governo utiliza para levantar recursos: impostos, endividamento e
inflação.
Aumentos de impostos são evitados pelos governantes
sob pena de perda de popularidade, vide o recente
episódio da CPMF. O método preferido é o aumento de endividamento, o faz de
conta. Como mostra o gráfico 3, desde 2013, a dívida bruta
saltou de 51% para 77% do PIB (aumento de mais de 50%)
Ocorre que, para além de um determinado nível de
dívida, a deterioração do risco de crédito inviabilizará o malabarismo: o
mercado não emprestará mais ao governo. Para evitar o calote, a consequência
final é a inflação por monetização de dívida. Pagará a conta, portanto, aquele
grupo de interesses que não vota nem é organizado: o das futuras gerações.
No jogo de empurrar com a barriga, o
STF proibiu a redução de salários de funcionários públicos prevista na LRF,
políticos defendem a implosão
do teto de gastos, e o Congresso autoriza o governo a descumprir
a regra de ouro.
A sociedade e o governo, iludidos, não querem
enfrentar a causa fundamental da crise: o tamanho
dos gastos públicos. No entanto, é preciso cortar desde já as duas rubricas
que representam cerca de 80% do total: salários dos servidores e aposentadorias
de forma geral. A alternativa, asseguro, é a futura falência inflacionária.