segunda-feira, 13 0aio 2019
Em um intervalo de tempo de poucos
meses, a chamada Teoria
Monetária Moderna (TMM) saiu da escuridão para a proeminência.
O gatilho para o lançamento da
TMM para a notoriedade foi o "Green
New Deal", projeto ambiental para os Estados Unidos criado pela ala
socialista do Partido Democrata (Democratic Socialists of America).
As promessas
abrangem, além de mais gastos para a proteção ambiental (o que inclui, sem
exagero, a abolição
de viagens aéreas), uma renovação da infraestrutura, pleno emprego, saúde
pública "gratuita" para todos e, principalmente, a promessa de uma renda mensal
para todos aqueles que "não
querem" trabalhar (atenção: não é apenas para aqueles que "não podem" ou "não
conseguem" trabalhar, mas também aqueles que simplesmente não estão dispostos a
trabalhar)
Os promotores deste projeto
citaram a Teoria Monetária Moderna como sendo o arcabouço que permite que todos
estes desejos sublimes se tornem magicamente práticos. Em outras palavras, a
TMM seria o elixir que irá financiar todo esse plano de gastos públicos.
Os
pontos que a TMM defende
A TMM sustenta que o
governo pode gastar sem restrições, e que grandes déficits e dívidas públicas
não importam quando a economia não está em plena capacidade.
Também afirma que o estado,
como emissor soberano da moeda, não pode ir à falência porque cria moeda sempre
que gasta. Poupança insuficiente não restringe os gastos públicos, pois os
déficits orçamentários têm automaticamente a poupança privada como
contrapartida.
Os representantes desta teoria alegam que o
emissor da moeda do país não pode ir à falência porque o estado soberano pode
sempre criar o máximo de dinheiro necessário para honrar sua dívida. A função da
tributação não é "obter receita" para o governo, mas sim ser um instrumento
para obrigar o público a usar a moeda soberana como dinheiro (segundo a teoria,
a aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar
impostos). Adicionalmente, a tributação também teria a função de retirar
dinheiro da economia quando este se tornasse excessivo e começasse a pressionar
os preços.
Em outras palavras, a moeda é
dívida e não primariamente um meio de troca. A lógica da MMT diz que, como o governo cria dinheiro
com seus próprios gastos, a tributação não é necessária para financiar a
atividade estatal. A principal função da tributação é motivar o uso da moeda
nacional e obter sua aceitação geral, porque é essa unidade de conta que o estado
reconhece como meio de pagar impostos. Além disso, a tributação tem uma função
reguladora para desviar o excesso de demanda e modificar o comportamento
individual.
Todo o gasto público pode ser
financiado ou pela impressão direta de dinheiro ou pelo endividamento do
governo, pois os títulos do governo são tão bons quanto a moeda que o estado
soberano emite. O estado, portanto, pode emitir dívida e, depois, imprimir
dinheiro para quitar esta dívida.
A dívida pública, ademais, não
é um problema, pois ela representa a "riqueza financeira no setor privado",
que investe nela. Logo, o gasto do setor público não apenas não absorve a
poupança, como, ao contrário, gera renda para o setor privado. Os gastos do
governo e os déficits orçamentários não levam a um menor investimento privado e
não exigem uma carga tributária maior no futuro. O governo está livre de
qualquer restrição fiscal porque pode sempre criar tanto dinheiro quanto for
necessário.
Por tudo isso, o governo não deve
conduzir suas finanças como uma família, que antes de gastar precisa de renda.
Um governo que emite moeda fiduciária como moeda legal de um país não necessita
de impostos e empréstimos para gastar.
"Déficits não importam"
é o mantra fundamental da Teoria Monetária Moderna. Os déficits orçamentários não
representam um problema para o desempenho da economia quando há capacidade
econômica supostamente não-utilizada. Ao contrário: são benéficos. Como os
gastos públicos levam à criação de dinheiro, eles próprios criam a poupança
necessária para financiar o déficit orçamentário. Consequentemente, o governo
(ou seu Banco Central) pode definir a taxa de juros em qualquer nível que
desejar, de preferência em zero.
O verdadeiro significado de tudo
isso é a crença de que a escassez não existe.
Para os promotores da MMT, a dívida nacional não é uma
dívida no sentido convencional, mas representa os déficits acumulados do
passado e, como tal, é um registro da quantia líquida de moeda que o governo
federal criou ao longo do tempo. Entender esse poder da criação de moeda
significa abandonar as restrições dos tetos de endividamento e renunciar à
exigência de um orçamento equilibrado. A adoção desta visão tornaria o governo livre de falsas
restrições e abriria o caminho para a plena prosperidade.
Livre das amarras da contenção
financeira, o governo federal poderia restaurar a infraestrutura do país,
investir em saúde e educação, garantir a segurança interna e externa, garantir salário
para quem não quer trabalhar, e, de quebra, resolver o problema previdenciário.
A visão utópica diz que, com a
aplicação da Teoria Monetária Moderna, qualquer nação alcançaria o pleno
emprego e acabaria com a pobreza.
A
TMM está chegando (na verdade, voltando) ao Brasil
No Brasil, a crise que nos açoita
desde 2014
escancarou a fragilidade das políticas econômicas da
última década.
A política fiscal e a
trajetória da dívida pública estão no centro do debate brasileiro, mais notavelmente
com a aprovação da lei, em 2016, que impõe um teto aos gastos
públicos e o projeto de reforma previdenciária
atualmente discutido no Congresso.
Neste contexto, André Lara Resende, em artigo publicado no Valor Econômico, adota o discurso da TMM
— apesar de não fazer referência ao termo devido à sua conotação político-ideológica — para afirmar
que a moeda fiduciária é unidade de conta e que, por isso, o governo não
enfrenta restrição financeira.
Ao inverter a causalidade entre
moeda e gasto, ele afirma que o governo, sempre que gasta, credita unidades
monetárias nas contas bancárias de sua contraparte e, por isso, não precisa de
financiamento. Conforme sua visão, os impostos não são arrecadados como receita
para financiar os gastos, mas para obrigar o uso da moeda que o estado soberano
emite. Da mesma maneira, a emissão de dívida não é uma exigência para financiar
os gastos públicos, mas um instrumento de gestão de passivo.
Para Lara Resende, a inflação não
é causada por excesso
de moeda, mas por excesso de demanda agregada. Os gastos do governo, que
são parte da demanda agregada e são financiados com criação de moeda, não
causam inflação desde que sejam focados em "setores operando abaixo da
capacidade". A restrição aos gastos do governo, portanto, está na capacidade
produtiva do país. A preocupação da política fiscal não deve ser seu
financiamento, mas sua "qualidade", tanto dos gastos quanto da tributação.
Mais: a expansão dos gastos do
governo deve ser mantida até o ponto de pleno emprego, quando, aí sim, a
tributação entrará em cena para absorver qualquer excesso de dinheiro que possa
ser inflacionário.
Como políticas específicas para o
Brasil, Lara Resende propõe
a remuneração das reservas bancárias, inclusive para pessoas físicas, o que
representaria a forma mais barata de financiar o passivo do governo, e a
manutenção da taxa básica de juros sempre abaixo da taxa de crescimento da
economia, o que significaria uma trajetória decrescente da dívida pública.
Ou seja, na prática, a TMM é
apenas uma combinação convoluta de antigas e heterodoxas idéias que envolvem
imprimir dinheiro, colocar o governo para gastar (nada de muito diferente do
que era feito rotineiramente durante o governo de José
Sarney) e usar impostos para "retirar o excesso de dinheiro da
economia".
A
arrogância intelectual é a mesma
Os seguidores da Teoria Monetária
Moderna subestimam as complexidades das modernas economias. Eles sofrem da
chamada pretensão do conhecimento. A MMT nega a
complexidade da economia que opera hoje em escala global.
A coordenação da ação individual
entre os consumidores e os produtores em uma rede tão complexa necessita de
mercados para os quais o planejamento de políticas não é um substituto. Para
que o estado realize a tarefa que a teoria estabelece, os governos teriam de
saber muito mais do que poderiam (com burocratas sabendo mais que investidores,
produtores e consumidores) e agir de forma mais racional do que a política
permite.
Ainda mais do que antes, uma nova
onda de planejamento econômico baseada na arrogância da pretensão do
conhecimento não traria prosperidade e estabilidade, mas miséria e caos. Uma
vez iniciados, os planos de política econômica da TMM levariam o país em direção
ao socialismo.
As consequências inflacionárias
do aumento substantivo dos gastos do governo são minimizadas pela Teoria
Monetária Moderna. A expansão pode continuar até o ponto de pleno emprego, no
qual, a partir de então, a tributação entrará em cena para absorver qualquer
excesso de dinheiro que possa ser inflacionário.
Com essa crença, os devotos dessa
teoria assumem uma economia de um setor com um suprimento ilimitado de capital
cuja única restrição é o trabalho. Obviamente, essa visão da economia moderna é
totalmente irrealista. A economia não é uma entidade homogênea em que a
atividade econômica pode ser inflada e murchada como se fosse um balão.
Mas piora: nos escritos dos
partidários da TMM é impossível encontrar o conceito e a função do capital na
economia moderna. Em suas construções, a economia é um veículo puramente
monetário e está longe da economia "capitalista", na qual os empreendedores
devem construir e reorganizar incessantemente a estrutura de capital.
A
mesma história, contada várias e várias vezes
Gastos sem fim derrubaram o
Império Espanhol com o influxo de ouro e prata das colônias americanas. A
expansão maciça da oferta monetária durante e após a Primeira Guerra Mundial
levou à hiperinflação
na Alemanha, que destruiu sua classe média. Na América Latina, diferentes
experiências com políticas semelhantes à TMM levaram à hiperinflação e ao
colapso econômico. Esse foi o caso do Chile nos anos 1970, do
Peru e da Bolívia nos
anos 1980, e da Argentina e da Venezuela hoje.
O Brasil, obviamente, também vivenciou uma hiperinflação
de preços como consequência da emissão exponencial de dinheiro. As agruras vivenciadas na década
de 1980 foram consequências diretas deste arranjo. Desde então, o Brasil assumiu
um setor público hipertrofiado, presente em todas as áreas, o que gerou um
profundo traço de corrupção e uma aversão à confiança e à poupança.
Para
concluir
A Teoria Monetária Moderna não é
nem moderna nem uma teoria — é a tentativa de vender algo velho como novo.
Vinho velho em garrafa nova é um fenômeno recorrente na economia. Embora
prometa curar todos os tipos de problemas econômicos, a MMT é o elixir venenoso
que arruinará aqueles que o tomam, como já aconteceu antes.
Embora a TMM seja um sistema de
crenças falsas, isso não exclui seu uso como instrumento de propaganda
política. A promessa de prosperidade para todos por meio de mais atividades do estado
e de mais gastos do governo sempre encontrará voz na política e ouvidos na
população. É apenas uma questão de tempo até que mais políticos descubram a
Teoria Monetária Moderna e levem sua mensagem para avançar sua agenda
socialista de políticas governamentais.
Por fim, embora seja correto
dizer que a TMM é para a economia o que o movimento da Terra plana é para a
geografia, a realidade é que a forma da terra não muda de acordo com o que as
pessoas pensam sobre ela. Por outro lado, as ideias econômicas são poderosas
mesmo quando estão erradas. Em termos puramente acadêmicos, a TMM não mereceria
mais análises. No entanto, como artifício político, a Teoria Monetária Moderna
é atualmente uma das ideias econômicas mais perigosas e, portanto, deve atrair
nossa maior atenção.
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Leia
também:
O tenebroso conto de fadas
da Teoria Monetária Moderna - e de André Lara Resende
A Teoria Monetária Moderna
foi aplicada na Argentina. Eis os resultados