segunda-feira, 11 fev 2019
A pobreza extrema em todo o planeta castigava 1,894 bilhão
de pessoas em 1990 (equivalente a 35,8%
da população mundial da época). Em 2015, esse número já havia caído para
735 milhões (equivalente
a 10% da população mundial).
Mas o que realmente chama a atenção não é o fato de
que, em termos absolutos, há hoje 1,159 bilhão a menos de pobres extremos no
mundo, mas sim o fato de que, se a taxa de pobreza extrema vigente em 1990
tivesse se mantido (35,8%), o planeta teria hoje 2,633 bilhões de pessoas na pobreza
extrema (1,9 bilhão a mais do que realmente há).
E isso merece ser ressaltado: o número de pessoas na
pobreza extrema caiu ao mesmo tempo em que a população mundial aumentou.
A porcentagem da população mundial que vive na pobreza extrema está em queda
livre mesmo havendo cada vez mais pessoas no mundo.

Porcentagem
da população mundial na pobreza extrema. Fonte:
Banco Mundial.
Especificamente, o período 1990-2015 foi o de maior redução
da miséria na história da humanidade: a cada ano, uma média de 46,36 milhões de
pessoas saíram da pobreza (mais de 125 mil por dia ou quase 5,3 mil por hora). Alternativamente,
podemos dizer que uma média de 105,3 milhões de pessoas saíram e evitaram entra
na pobreza a cada ano durante o último quarto de século (quase 290 mil pessoas
por dia ou 12 mil pessoas por hora).
Embora todos esses números já sejam relativamente
bem conhecidos, em várias ocasiões tendemos a nos esquecer deles quando
adotamos uma visão excessivamente pessimista sobre o estado do planeta, motivo
pelo qual os assim rotulados "novos
otimistas" — Steven
Pinker, Bill Gates e Max Roser — tratam insistentemente de nos recordar
qual é a autêntica realidade destas cifras.
Voltam
os pessimistas
Entretanto, nos últimos dias, o antropólogo Jason
Hickel sugeriu
que tamanho otimismo é bastante injustificado, pois nossos padrões de pobreza são
demasiadamente tíbios: dado que a linha da pobreza extrema é definida em 1,90
dólar por dia (apenas 700 dólares por ano), tomar como referência de pobreza este
valor supõe ter como aceitáveis situações paupérrimas pelo simples fato de as
pessoas estarem ligeiramente acima desta linha divisória.
Com efeito, e de acordo com Hickel, se tomarmos
linhas de pobreza mais elevadas — por exemplo, 7,40 dólares por dia, ou seja,
2.700 dólares por ano —, chegaríamos à desestimulante conclusão de que, embora
a porcentagem de pobres tenha reduzido, o número absoluto de pobres aumentou:
em 1990, era de 3,783 bilhões de pessoas; já em 2015, subiu 4,113 bilhões de
pessoas.
Ou seja, adotando linhas de pobreza mais razoáveis,
o número global de pobres não apenas não reduziu, como, ao contrário, aumentou
durante os últimos 25 anos — em decorrência exclusiva do aumento do número de
pessoas no planeta.
Antes, vale reconhecer que a reprimenda de Hickel é
parcialmente correta: é verdade que não deveríamos cair no triunfalismo e na
autocomplacência pelo simples fato de as cifras da pobreza extrema terem se
reduzido enormemente se, no entanto, os algarismos da pobreza não tão extrema mostram
apenas algum sinal de melhoria.
Porém, o juízo de Hickel é desnecessariamente
negativo: é verdade que ainda há muito por fazer, mas também é verdade que já avançamos
bastante.
A
realidade dos números
Ao fim e ao cabo, a redução da taxa de pobreza ao
redor do globo não depende de a definirmos de maneira excessivamente
restritiva: não importa como você define a pobreza, o fato é que ela se reduziu entre 1990 e 2015.
Sim, é verdade que, quanto mais baixa for a linha de
referência, maior terá sido a queda da pobreza. Entretanto, ainda que muitos indivíduos
que conseguiram escapar das situações de extrema pobreza durante os últimos 25
anos não tenham conseguido ascender a cotas muito mais altas de prosperidade, isso
não significa que a redução não tenha sido generalizada.
Por exemplo: se estabelecemos a linha de pobreza em
3,20 dólares por dia (1.168 dólares por ano), a taxa de pobreza cai de 55,1% em
1990 para 26,2% em 2015.
Se a colocamos em 5,50 dólares por dia (2.007 dólares
por ano), esta cai de 67% para 46%.
E se a colocamos em 15 dólares por dia (5.475 dólares
por ano), cai de 80,8% para 74,6%.

Taxa mundial de pobreza para limiares
distintos — Fonte: Banco Mundial
Ou seja, a porcentagem da população mundial na
pobreza extrema cai não importa o valor do umbral escolhido.
O que acontece para alguns valores, entretanto — e
é que o ocorreu para o valor escolhido por Hickel —, é que, embora o
percentual tenha caído, a quantidade de pessoas no mundo aumentou. Consequentemente,
um percentual menor em 2015 engloba
um número muito maior de pessoas do que um percentual maior em 1990.
Mas isso é o de menos. O principal ponto vem agora.
Como já dito, é óbvio que muitos daqueles que
ganhavam menos de 1,90 dólar por dia em 1990 ainda terão de vivenciar um enorme
aumento da renda para ultrapassar os limites de US$ 7,40, de US$ 10 ou de US$ 15
por dia.
Imagine um país com 100 habitantes e uma renda per
capita de 1 dólar por dia (US$ 365 por ano): seu PIB seria de 36.500 dólares.
Para que esse país passe a ter uma renda per capita média de 15 dólares por dia
em um período de 25 anos (PIB de 547.500 dólares), a economia teria de se
multiplicar por 15, ou seja, teria de vivenciar um crescimento médio anual de
11,4%.
E isso supondo que a população não aumente em nada
neste período. Se, em vez de 100 habitantes, passasse a haver 150 habitantes, o
PIB teria de subir para 821.250 dólares para alcançar uma renda per capita de
15 dólares diários. Ou seja, seria necessário um crescimento anual médio de
13,2%.
Estabelecer padrões tão desproporcionais e
desarrazoados de crescimento não é nada realista. A redução da pobreza é um
processo acumulativo e de longo prazo, e o que realmente importa é que estamos
indo na direção correta.
Veja
o Vietnã
Tomemos como exemplo prático o bem-sucedido caso do Vietnã.
Em 1992, 52,9% de sua população vivia com menos de US$ 1,9 por dia. Em 2016, apenas
1,96% da população estava nestas condições — não obstante a população ter
crescido 33%.
Igualmente, em 1992, 94,4% de seus cidadãos viviam
com menos de US$ 5,5 por dia. Em 2016, a tal taxa já havia caído para 28,7%.
Finalmente, em 1992, 99,6% da população vivia com
menos de US$ 15 por dia. Em 2016, tal porcentagem estava ainda era de altos
86,2%.
O que nos leva à pergunta: do fato de que não tenha
havido uma redução substantiva na pobreza se
a mensurarmos pelo limiar de US$ 15 dólares por dia, seria correto concluir
que nos últimos 25 anos não ocorreu uma melhora extraordinária e sem
precedentes na qualidade de vida dos vietnamitas? É evidente que não.
Conclusão
Ainda há muito por fazer, mas o que foi conseguido
em tão pouco tempo é espetacular.
Vale lembrar que o modo padrão durante a maior parte
da história humana sempre foi a pobreza. A pobreza sempre foi a norma e a
condição natural e permanente do homem ao longo da história do mundo. E esta se
manifestava em conjunto com todos os seus problemas.
Hoje, uma
pessoa sai da pobreza extrema a cada segundo, graças a melhores sistemas
econômicos, a um maior conhecimento adquirido, e a melhores e mais baratas
tecnologias, as quais já chegam a quase todas as áreas do globo. Cada vez mais
pessoas têm uma expectativa de vida maior e vivem com mais saúde e com mais
conforto em relação a qualquer outro período da história humana.
A qualidade global de vida é hoje melhor do que
jamais fôra em outras eras.
Em definitivo, ainda que seja verdade que o mundo
continua repleto de pobres (de pessoas quem vivem em condições que julgaríamos absolutamente
inaceitáveis no Ocidente), temos vivenciado em 25 anos um processo titânico de redução
da pobreza em escala global.
Não é motivo para cairmos no triunfalismo vão, mas também
não há razões para aceitarmos o pessimismo martirizador.
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