quarta-feira, 12 jun 2019
Comecemos com um experimento mental. Suponha que eu
empurre você em uma piscina profunda como parte de uma aula de natação. Mas você
não sabe nadar. Você tenta desesperadamente se manter flutuante, com a cabeça acima
da água. Mas não consegue.
Agora, suponha que eu não faço nada para socorrer você.
Fico apenas olhando. Como consequência, você morre afogado.
Minhas ações, neste cenário, equivalem a um
assassinato. Eu intencionalmente coloquei você em uma situação de grande
vulnerabilidade e, em seguida, recusei-me a lhe ajudar. Seus direitos foram flagrantemente
violados por minha recusa em não fazer nada.
O princípio moral por trás deste experimento mental
é este: se eu conscientemente coloco você em um estado de grande necessidade ou
vulnerabilidade, então eu sou responsável por lhe ajudar ou socorrer. Se eu não
fizer isso, estarei sendo negligente. Se minha negligência leva à sua morte, então
eu sou culpado de assassinato.
Este princípio está consagrado no sistema legal como
parte da doutrina chamada Perigo
Criado pelo Estado. Se o governo faz algo que coloca alguém em uma situação de
perigo, ele tem a responsabilidade especial de garantir a segurança deste indivíduo.
Se falhar, ele pode ser considerado responsável por qualquer dano físico ou prejuízo
que venha a ocorrer.
O
que isso tem a ver com o porte de armas?
Esse princípio possui relevância direta no caso da segurança
pública, em especial no caso da criminalidade urbana. O porte de armas é
proibido pelo estado. Isso significa que as ruas das cidades, bem como os
estabelecimentos comerciais nelas localizados, são locais em que o governo
declarou — usando a ameaça de punição e violência para quem não cumprir sua
ordem — que portar uma arma de fogo é proibido.
Ao coercivamente exigir que os cidadãos cumpridores
da lei se desarmem, o governo está intencionalmente abolindo a capacidade destes
cidadãos de efetivamente se protegerem contra agressores armados — os quais,
exatamente por serem foras-da-lei, não cumprem as leis.
O governo, em outras palavras, colocou estes cidadãos
em uma posição de enorme vulnerabilidade em relação à proteção de sua
integridade física e de suas posses.
Isso, entretanto, não seria problema caso o governo
fosse capaz de garantir a segurança e a integridade física de cada um dos indivíduos do país. Na prática,
isso significa que cada indivíduo deste país teria de andar acompanhado de um
policial que garantisse sua integridade e segurança.
Se o governo não for capaz de fazer isso, ou seja,
se ele nada fizer para compensar o déficit de proteção que ele criou ao
desarmar os cidadãos cumpridores da lei e deixá-los à própria sorte contra a agressão
de criminosos descumpridores da lei — os quais podem, inclusive, estar armados
apenas com facas —, então, por definição, o governo violou o direito mais básico
do indivíduo, que é o seu direito de defender a própria vida.
Consequentemente, se um cidadão cumpridor da lei foi
machucado ou morto como resultado desta política do governo, então o governo é o
culpado pela violação do direito à vida deste cidadão.
Embora haja numerosas estatísticas comprovando que
armas são extremamente
efetivas em produzir resultados exitosos
quando usadas em uma situação
de defesa própria, a questão empírica ainda é o de menos. A questão ética e
moral se sobrepõe. E seria assim ainda que as estatísticas mostrassem o
contrário.
A questão é que há um robusto argumento moral em
prol de permitir cidadãos cumpridores da lei portarem armas: afinal, nosso
direito à vida (mais especificamente, o direito de não termos nossa vida ameaçada
ou mesmo retirada de nós) é indelével
e é válido onde quer que estejamos. Sendo
assim, o direito de defendermos nossa integridade física e nossas posses deve
nos acompanhar sempre e em qualquer lugar. Seja em casa, seja na rua, seja no
campo. Ele não pode ser suprimido, a depender do local em que estejamos.
Se o governo suprime esse direito e nos diz que não podemos
portar armas em determinadas localidades (como nas ruas de uma cidade e em seus
estabelecimentos comerciais, ou mesmo em nossas propriedades urbanas ou rurais),
então ele tem de assumir a responsabilidade especial de compensar por esse déficit
de auto-proteção que ele criou. Ele tem, em outras palavras, de fornecer alguma
alternativa que efetue a mesma função que minha arma de fogo efetuaria caso eu pudesse portá-la.
Em alguns locais muito específicos, esse déficit chega
a ser compensado, como em aeroportos e tribunais, e em algumas ruas muito bem
policiadas. No entanto, na esmagadora maioria das ruas e localidades do país,
especialmente em horários específicos, o governo claramente não cumpre sua
auto-declarada (e especial) obrigação de fornecer aos cidadãos cumpridores da
lei um alto padrão de proteção. Com efeito, na maioria dos locais, ele não oferece
proteção alguma.
Mesmo nas cidades com um alto efetivo policial, esse
efetivo não basta, pois é fisicamente impossível
haver um policial em cada esquina garantindo a proteção de todos os transeuntes
e motoristas em todos os horários do dia. No caso de um assalto, na melhor das hipóteses,
a resposta policial leva minutos. No caso de um assassinato, a polícia, por definição,
sempre chega após o crime ter sido
cometido.
As
objeções mais racionais
Alguns podem se opor argumentando que, apesar de
tudo, as chances de um indivíduo ser vítima de um crime é pequena, de modo que
a liberação do porte de armas não se sustenta. Igualmente, pode-se argumentar
que ainda há várias cidades pacíficas, de modo que o governo não está errado em
não oferecer altos padrões de proteção.
No entanto, esses argumentos passam longe da questão.
O exato motivo para se portar uma arma é precisamente
para aquelas raras situações em que ela se torna necessária. Assim como um
seguro de carro, é preferível portar uma arma e nunca ter de usá-la a ter de
usá-la e não possuí-la.
O direito do indivíduo de se defender a si próprio não
varia de acordo com probabilidades. Não depende de estatísticas. Não é uma função
do risco (alto ou baixo) de ele se tornar uma vítima. Em nada importa se ele
vive em uma cidade violenta ou em uma cidade extremamente pacífica. Seu direito
à auto-defesa não pode ser suprimido e não é função de probabilidades. Trata-se
de um direito baseado na dignidade do indivíduo, e não em médias estatísticas.
O direito à defesa própria é uma liberdade que
qualquer indivíduo possui pela simples virtude de ele ser um ser humano. Ninguém pode me tirar esse
direito baseando-se em estatísticas e probabilidades. Eu não perco esse direito
só porque as circunstâncias em que precisarei de uma arma são estatisticamente
raras. Se fosse assim, esse mesmo argumento poderia também ser usado para se
proibir qualquer outro tipo de auto-defesa, como aulas de artes marciais e
defesa própria.
E há também outra objeção, esta de cunho mais irônico, que diz que, se é para liberar o porte de armas de fogo, então por que não liberar também
lança-chamas, bazucas, metralhadoras, mísseis e armas nucleares? Afinal, o
governo proibir esses itens também afeta nossa capacidade de auto-defesa. Mas
tal ironia, obviamente, não se sustenta, e por uma razão simples: lança-chamas,
bazucas, metralhadoras, mísseis e armas nucleares não são métodos proporcionais
para um indivíduo se defender contra ameaças que ele possa realisticamente
encontrar. Revólveres, pistolas e carabinas são.
Por último, há o inevitável argumento de que armas não
podem ser liberadas porque seriam mal utilizadas por terceiros. Outro argumento
insensato. O governo coercivamente proibir o porte de armas para todos simplesmente
porque alguns supostamente não serão mentalmente capazes de usá-las significa
penalizar o direito à auto-defesa dos inocentes por coisas que terceiros podem vir a fazer. De novo, cai-se no
problema das probabilidades. E o direito à auto-defesa, como já argumentado, não
é algo que pode ser suprimido por probabilidades. Isso, além de imoral, é
injusto.
Abdicar
de sua segurança é imoral
Como ficamos?
O governo proibir o porte de armas é imoral, pois se
trata de uma medida que clara e diretamente viola nosso direito à auto-defesa. E
é assim porque o governo claramente não cumpre — e nem tem como cumprir, pois
é fisicamente impossível — sua auto-declarada obrigação de garantir a segurança
de todo e qualquer indivíduo em todo e qualquer canto do país.
Sendo assim, por definição, nós, na condição de indivíduos
detentores do direito de defender nosso corpo e nossas posses contra agressores
(estejam eles armados com armas de fogo, facas ou mesmo punhos cerrados), não podemos
ter suprimido o nosso direito de portar armas em locais públicos.
Por fim, uma palavra sobre a atitude de delegar à
polícia (o aparato estatal de proteção) a sua segurança e a de sua família. Se você
é incapaz de se proteger e é desejoso de ser protegido por terceiros, isso é um
direito seu. Entretanto, tal postura é também imoral. Pois, se você próprio não
quer defender a sua família, como você pode esperar que outro indivíduo arrisque a
vida dele para defender a sua família em vez da dele?
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Leia também:
A arma de fogo é a civilização