quinta-feira, 11 abr 2019
O ser humano é um animal dotado da capacidade de
raciocinar, imitar e imaginar. Mas não só. Ele é também um animal dotado da
capacidade de verbalizar e comunicar
suas idéias com o propósito de persuadir
seus interlocutores, trocar informações
com eles ou, simplesmente, expressar suas
emoções.
A capacidade de se expressar de maneira complexa e
argumentada constitui um traço distintivamente humano — o qual, ademais, é em
grande medida responsável pelo nosso progresso civilizatório.
Mais ainda: a capacidade de se expressar livremente é
o mecanismo por meio do qual o ser humano mantém
a sociedade funcionando.
É em decorrência da liberdade de expressão e da
capacidade de articular idéias que as pessoas conseguem apontar problemas, explicá-los,
solucioná-los e tentar chegar a um consenso.
Mas há o outro lado: a transmissão de idéias também representa
um foco potencial de conflitos entre os seres humanos. Um determinado conjunto
de idéias — sobretudo quando estas não fazem parte de nossa identidade
cultural — pode nos parecer rechaçáveis, criticáveis ou mesmo repugnantes. Ou seja,
as idéias não só nos seduzem, como também podem nos molestar. E, em ocasiões,
podem nos molestar sobejamente.
E isso é inevitável: por ser capaz de pensar e de se
expressar, o ser humano sempre poderá soar ofensivo a terceiros.
A
evolução se deu por meio do debate aberto
Durante séculos, os indivíduos chegaram ao ponto de se
enfrentar mutuamente, até o extremo de se aniquilarem, por causa das idéias. As
guerras religiosas foram, em última instância, guerras sobre idéias: sobre concepções
heterogêneas (e contrapostas), acerca da transcendência, pelas quais muitos
estavam dispostos a morrer e a matar.
A forma que socialmente descobrimos para evitar nos
enfrentarmos e nos agredirmos por causa de nossas idéias díspares foi a tolerância
mútua: um programa ideológico que politicamente se cristalizou naquilo que hoje
chamamos de 'liberalismo' — "uma tecnologia para evitar a guerra civil", como,
de maneira clarividente, definiu o filósofo
Scott Alexander.
As idéias liberais nos ensinaram o segredo para
podermos conviver em paz: aceitarmos tolerar mutuamente as idéias díspares e
incorrermos em argumentações racionais para resolver nossas discordâncias. Foi assim
que a civilização evoluiu.
A
censura estimula a intolerância
Obviamente, nosso desafio sempre foi tolerar aquelas
idéias ou expressões alheias que nos ofendem, e não aquelas que nos agradam e
entusiasmam. Somos tolerantes quando respeitamos o dissenso, e não quando
recriamos o consenso. E somos mais propensos a tolerar as idéias alheias quando
os demais toleram as nossas: se um grupo de pessoas vê suas idéias sendo
silenciadas e censuradas, ele perde toda a razão estratégica para tolerar as idéias
alheias.
Consequentemente, quando um grupo politicamente influente
consegue instituir a censura sobre aquelas idéias alheias que consideram
ofensivas, essa ação bem-sucedida começa a atrair imitadores: a tendência natural
é que outros indivíduos que também se sentem ofendidos por outras idéias passem
a exigir a censura dessas idéias. Como consequência, o debate vai se tornando
cada vez mais manietado.
Pior: quando um grupo vê suas idéias sendo censuradas,
a tendência é que ele redobre a aposta em suas idéias, tornando-as ainda mais
agressivas, podendo se degenerar em violência física.
Assim, qualquer sociedade que opte pela censura,
ainda que branda, está continuamente colocando em xeque a resistência de seus
pactos implícitos em torno da liberdade de expressão.
Em última instância, a tolerância mútua é, em certa
medida, um equilíbrio potencialmente muito frágil: quando um grupo sente que
suas idéias já são suficientemente toleradas pelos demais, ele pode, de um
lado, se limitar a tolerar as idéias alheias; mas, de outro, pode também cair na
tentação oportunista de tentar censurar marginalmente aquelas idéias ou expressões
de terceiros que lhes ofendem, causando ainda mais distúrbios.
Esse tem sido o caminho escolhido pelos adeptos do
politicamente correto.
O
politicamente correto como ferramenta de controle
O adjetivo 'politicamente correto' é usado para
descrever linguagens ou ações que devem ser evitadas por serem vistas como 'excludentes'
ou 'ofensivas'.
Em tese, o politicamente correto defende a censura
de idéias que marginalizam ou insultam grupos de pessoas tidos como
desfavorecidos ou discriminados, especialmente grupos definidos por gênero, raça
ou preferências sexuais.
No entanto, ao defender a censura de idéias consideradas
"ofensivas", o politicamente correto
nada mais é do que uma ferramenta criada para intimidar e restringir a
liberdade de expressão. Ao proibir a livre manifestação de idéias a respeito de
uma miríade de assuntos, o politicamente correto funciona como uma linha de
montagem mecanizada, cujo objetivo é padronizar e homogeneizar as ideias dos
indivíduos, fazendo-os pensar e agir sempre de modo uniforme.
Para o politicamente correto, um debate aberto e sem
censura, além de ofensivo para as minorias, é também subversivo, inflamatório e
gerador de discórdias, devendo por isso ser censurado. Mas isso atenta contra a
lógica básica. O debate aberto é algo que, por definição, estimula a análise
crítica e impede a uniformidade (e a hegemonia) intelectual. O debate aberto e
sem censura evita a predominância do chamado "pensamento de manada", garantindo
assim uma voz exatamente para os grupos mais marginalizados e excluídos — os
quais, em tese, são o alvo da preocupação do politicamente correto.
Se o indivíduo não mais tiver a liberdade de falar o
que pensa, ele não mais será capaz de pensar. Como bem disse o psicólogo Jordan
Peterson, a liberdade de expressão é suprema e está acima do "direito" de alguém
de não se sentir ofendido. Com efeito, não há o "direito de não ser ofendido"
simplesmente porque isso, caso realmente fosse impingido, levaria à extinção do
próprio pensamento: o ser humano, por ser capaz de pensar, sempre poderá soar
ofensivo a alguém. Querer proibir a expressão do pensamento significa proibir o
próprio ato de pensar.
Conclusão
(e um teste)
No final, o que temos hoje é apenas uma defesa
simétrica da liberdade de expressão: só é lícito aquilo que me agrada. Aquilo que
me ofende deve ser proibido.
Só que defender a liberdade de expressão de minhas idéias não é mérito nenhum. Tampouco
representa qualquer utilidade social. O verdadeiro mérito está em defender a
liberdade de expressão daqueles que nos ofendem profundamente, e então
vencê-los no debate por meio da razão. A censura prévia é simplesmente o método
a que recorrem os intelectualmente incapazes.
No geral, se você é de esquerda e defende censura e punição
àquilo que você considera "discurso de ódio da direita", você está apenas
defendendo o privilégio da sua seita de abolir a expressão das idéias alheias. E
vice-versa. A universalidade da liberdade de expressão não existe para proteger
aquilo que nos agrada, mas sim para proteger da censura aquilo que nos ofende.
Caso cedamos ao encanto de censurar aquilo que nos
desagrada, em vez de criarmos uma plataforma que estimule o desenvolvimento do
indivíduo por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos
estimulantes, estaremos apenas criando robôs com pensamentos padronizados e
homogeneizados.
Abrir a Caixa de Pandora da censura pode acabar
estimulando outros grupos a fazerem exatamente o mesmo, acabando assim com a
liberdade geral de expressão e com toda a nossa capacidade de debate baseado na
razão. Com efeito, estaremos atacando a nossa própria capacidade de raciocínio.
Não há mágica: o livre intercâmbio de informações e idéias
é crucial para o progresso de uma sociedade livre. Por isso, toda a forma de "polícia
do pensamento" deve ser abolida.
Por fim, um teste: alguns países europeus, como a Alemanha,
transformaram em crime o "discurso de ódio" (hate speech) na internet. Na prática, as mídias sociais (Google,
Facebook e Twitter) serão
severamente multadas caso permitam que seus usuários façam "discursos de
ódio" em suas plataformas.
Por uma questão de lógica, isso implica que agora é
ilegal odiar Hitler e o Holocausto na internet. Também significa que o marxismo
— que fomenta o ódio dos assalariados aos capitalistas, estimulando o
assassinato de capitalistas — se tornou ilegal. Você apóia?