quinta-feira, 10 out 2019
Nota do Editor
Há mitos que inacreditavelmente se recusam a morrer.
Pior: sua existência segue gerando empobrecimento.
O artigo abaixo foi originalmente publicado em julho
de 2017. Naquele ano, houve uma pontual
deflação de preços no mês de junho. Consequentemente, boa parte da mídia "especializada"
entrou em polvorosa, dizendo que a deflação de preços prenunciava uma forte retração
da economia (a qual, diga-se de passagem, havia acabado de sair da recessão).
Ontem, dia 9 de outubro de 2019, foi divulgada uma
nova, pontual e totalmente tímida
deflação de preços no mês de setembro. Houve redução de preços nos
alimentos e em "artigos de residência", como eletrodomésticos e itens de TV,
som e informática.
Impressionantemente, a mídia "especializada" retomou
a mesmíssima ladainha, dizendo que o fato de ter havido queda nestes preços é
uma notícia
ruim para a economia. (Veja três inacreditáveis análises aqui,
aqui
e aqui)
Apenas pense nisso: a mídia "especializada" está dizendo
que o fato de alimentos, eletrodomésticos e produtos de informática terem ficado
pontualmente mais baratos é na realidade uma notícia ruim, pois isso seria
sintoma de uma economia fraca.
Por essa lógica, o ano de 2015, quando
o IPCA subiu quase 11%, deveria ter apresentado uma economia pujante. No entanto,
como todos se lembram, a economia se retraiu intensamente naquele período (o
PIB afundou 5,5%).
Ou o que dizer do próprio PIB do primeiro trimestre
deste ano, que foi ligeiramente
negativo ao mesmo tempo em que apresentou a maior
inflação trimestral em três anos?
Com efeito, se essa mídia "especializada" for
coerente, quando o próximo IPCA for divulgado e apontar aumento de preços, ela
terá de comemorar dizendo que tal inflação indica "forte recuperação econômica".
Veja por que você deve ignorar as "análises" desta
mídia (no final, tudo é política) e entenda por que preços em queda (aproveite, não irão
durar) são uma bênção (como se você já não soubesse disso).
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Suponha que você reserve o seu sábado para ir ao
shopping fazer compras. Ao chegar lá, você vê um cartaz anunciando: "50% de
desconto em tudo!".
Isso é uma ótima notícia, certo?
Ou então, suponha que você está à procura de um
carro novo. Ao pesquisar, você se surpreende ao descobrir que os carros estão
mais baratos em relação ao ano anterior. Incrível e sensacional!
Ou digamos que você está pagando o colégio de sua
filha e descobre que você separou mais dinheiro que o necessário, pois os
preços da mensalidade e dos livros estão mais baixos do que você esperava. Glória!
Olhemos agora do ponto de vista empreendedorial. Você
é um industrial e seu principal gasto é com as peças de aço. Após vários anos,
até mesmo décadas, de preços crescentes para rolamentos e outras partes do
maquinário, seus custos repentinamente caem. Consequentemente, o custo de
manutenção e de substituição de ativos é dramaticamente reduzido. Isso lhe deixa
com mais dinheiro para investimentos, folha de pagamento, propaganda, e para
atrair mais investidores por meio de maiores dividendos. Trata-se de uma
situação em que todos ganham.
Até agora, a deflação de preços parece algo glorioso.
"Mas não é!", grita o economista empertigado. Consumidores e produtores podem
até se beneficiar, mas e os vendedores?
É fato que vendedores sempre querem vender seus
produtos ao preço mais alto possível. Isso vale tanto para a Apple quanto para
a padaria na esquina da sua casa. Se dependesse da Dell, cada computador
custaria $ 1 milhão e, se ela conseguisse vender por $1 milhão o mesmo número
de computadores que vende hoje aos preços atuais, é claro que ela cobraria este
novo valor.
Igualmente, consumidores gostariam de pagar
exatamente $0 por tudo aquilo que compram.
É a interação entre estes dois mundos ideais o que
gerará os preços de mercado.
Sendo assim, em um cenário de deflação de preços, se
as empresas estão sendo forçadas pela concorrência a venderem a preços cada vez
menores, como elas podem ter lucros? Simples: tornando-se mais eficientes.
Cortando custos.
Qualquer um que já tenha trabalhado em uma empresa
sabe que eficiência é algo que empresas implantam quando realmente necessitam
dela e quando não há alternativa mais fácil (por exemplo, apenas aumentar
preços). Um monopólio (pense nos Correios ou no Detran) não enfrenta nenhuma
concorrência, de modo que ele pode continuar elevando preços e mantendo
horrendas ineficiências ano após ano. Já uma empresa em um ambiente
concorrencial não pode se dar a este luxo.
A indústria tecnológica fornece a melhor ilustração
prática desta teoria. Ao longo das últimas décadas, os preços desabaram
(principalmente naqueles países que praticam livre comércio, sem barreiras à
importação), as vendas aumentaram, e os lucros não pararam de subir.
Fabricantes e revendedores de computadores e notebooks auferiram fartos lucros.
Mas este não foi o único setor. O mesmo ocorreu para
os utensílios e os aparelhos eletrodomésticos, cujos preços também caíram ao
mesmo tempo em que as vendas e os lucros aumentaram. Por quê? Porque
fabricantes e vendedores melhoraram naquilo que fazem, e consequentemente
conseguiram obter lucros mesmo em um cenário de queda de preços.
Consequentemente, não há nenhum conflito entre os
interesses dos consumidores (quem sempre querem preços menores) e a saúde de
uma economia em geral. O que é bom para os consumidores é bom para todos.
Vale lembrar que, do início da Revolução Industrial,
em meados do século XVIII, até o início da Segunda Guerra Mundial, os preços nos países
desenvolvidos geralmente caíam, ano após ano. Um cenário de deflação de
preços anual era a norma no mundo, especialmente nos EUA, entre 1865 e 1913
(ano da criação do Fed). Foi também nessa época que o país mais cresceu em
termos anuais
Isso porque um contínuo aumento da produtividade,
gerado pelo livre mercado, levou a uma queda nos preços. E dado que os custos
de produção caíam junto com os preços de venda, os investimentos aumentavam
normalmente. Em geral, os salários permaneceram constantes ao passo que o custo
de vida caiu — de tal forma que os salários "reais", ou o padrão de
vida de todos, aumentou constantemente.
Vale enfatizar: o segredo está na produtividade.
Com o aumento da produtividade e da eficiência dos métodos de produção, os
custos podem cair proporcionalmente mais que os preços, tornando qualquer
empreendimento lucrativo, mesmo com queda de preços.
Com efeito, em um cenário de deflação de preços
generalizada, ter lucros pode ser ainda mais fácil, pois, ao contrário do que
ocorre em um cenário de inflação de preços, os custos de produção também
estariam caindo. E, com a correta adoção de economias de escala e métodos
produtivos mais eficientes, os custos cairiam ainda mais que os preços,
garantindo altos lucros.
Não há nada de terrível se ter preços em queda.
Queda de preços é justamente o que ocorre em uma economia de mercado em que
haja concorrência e um contínuo aumento da oferta de bens e
serviços. Todos nós consumidores gostamos quando os preços das coisas
ficam mais baratos.
Entram
em cena os economistas para bagunçar tudo
Tendo entendido isso, é de se espantar a quantidade
de economistas e comentaristas econômicos que tentam convencer o público de que
a deflação de preços é uma coisa apavorante. Muitos gostam de falar isso porque
tal afirmativa traz aquela comoção e aquele impacto geralmente associados a uma
conclusão contra-intuitiva. Só que, neste caso, eles simplesmente estão
errados. A primeira e natural intuição — a de que barganhas são ótimas — é
exatamente a intuição correta. Em matéria de economia, algumas vezes o bom
senso acaba sendo todo o necessário para se avaliar uma medida.
Eis, a seguir, os principais "argumentos" anti-deflação apresentados por essas pessoas.
Consumo
versus poupança
O principal argumento utilizado por esses
economistas e comentaristas econômicos é que, se as pessoas
sabem que os preços cairão continuamente, então elas irão postergar ao máximo
seu consumo, esperando tudo ficar mais barato. Consequentemente, com o consumo
em queda, o desemprego aumentaria e toda a economia entraria em uma permanente
depressão.
Na prática, essas pessoas estão dizendo que, entre
comprar hoje ou postergar a compra em cinco anos, quando os preços estarão
menores, todos optarão pela segunda alternativa.
Em primeiro lugar, é verdade que preços em queda
criam um incentivo para a poupança. Mas isso, por si só, é ótimo. Enquanto a
preferência voluntária dos consumidores for pela poupança em detrimento do
consumismo, isso irá criar os fundamentos para um crescimento econômico futuro.
A poupança é exatamente a atitude que possibilita uma maior
acumulação de capital e um maior volume de investimentos. E consumidores
poupam por um motivo óbvio: para poderem gastar mais no futuro.
Em segundo lugar, não há nenhuma evidência de que
uma queda nos preços faça com que as pessoas posterguem suas compras. Se
isso de fato ocorresse, ninguém jamais compraria televisões, smartphones,
câmeras, notebooks e demais apetrechos eletrônicos, pois sabemos perfeitamente
bem que tais itens estarão mais baratos e com ainda mais qualidade no ano que
vem. O que ocorre na realidade é que as pessoas acabam comprando uma maior
quantidade de todos esses itens.
As pessoas compram coisas quando necessitam delas, e
levam em consideração a tendência dos preços (afinal, ninguém pode adiar
compras para sempre).
Ademais, e isso é ainda mais importante, o ser
humano sempre irá preferir ter um bem hoje a ter esse mesmo bem apenas no
futuro distante. Isso é o básico da teoria da preferência temporal.
Logo, sempre que possível, consumidores preferem consumir no
presente. Além de você não poder postergar sua demanda por alimentos,
roupas, moradia e alguns outros bens, há também o fato de que você não
necessariamente irá adiar sua aquisição de um bem hoje só porque ele estará
mais barato daqui a uma ano. Porque mesmo comprando-o hoje a um preço maior,
você sabe que seu poder de compra será maior no futuro. E isso muda
tudo.
Se você vive em um ambiente em que os preços estão
caindo, você sabe que seu poder de compra futuro será maior
que o atual. Mesmo sabendo que um carro estará $3.000 mais barato daqui a dois
anos, você ainda assim irá comprá-lo hoje, pois sabe que daqui a dois anos seu
dinheiro estará valendo mais. Não obstante seu gasto de hoje, você terá
maior poder de compra para aquisições futuras. É justamente o fato de você
saber que terá maior poder de compra no futuro o que não irá restringir
seu consumo presente.
Ao contrário: é até bem possível que o consumo
presente possa aumentar.
Portanto, eis o que temos em um cenário de deflação
de preços: 1) ou as pessoas pouparão mais, o que será ótimo para o futuro da
economia; ou 2) elas consumirão mais, o que é o exato oposto do que temem os
economistas anti-deflação de preços.
O
problema do endividamento
Outro temor destes economistas se refere às
implicações da deflação de preços para o endividamento. Segundo eles, a
deflação de preços "faz com que seja muito mais difícil a quitação das dívidas
pendentes".
É verdade que, em um cenário de deflação de preços,
os empréstimos serão quitados com um dinheiro que vale mais do que aquele que
foi emprestado. No caso de empresas pouco eficientes, a queda dos preços levará
a uma queda de suas receitas, o que dificultará a quitação dos empréstimos.
Mas tudo isso faz parte do risco que um indivíduo
assumiu quando decidiu se endividar. Se todos nós tivéssemos uma perfeita
capacidade de previsão, nosso comportamento seria totalmente diferente. Isso
não é um argumento para apertarmos o botão do pause nas relações econômicas. O
que a deflação de preços faz é fornecer um desestímulo ao endividamento e criar
um estímulo ao uso da própria poupança para o propósito do investimento. Isso
significa que indivíduos frugais e empresas prudentes e bem-capitalizadas serão
os mais recompensados — algo ótimo em termos éticos e econômicos.
Já os indivíduos gastadores terão de apertar os cintos, e as empresas ineficientes terão de se aprumar, cortar custos e otimizar seus serviços e suas linhas de produção.
Deflação
e investimentos
Não há nenhuma evidência de que preços em queda
afetem a confiança das empresas. As empresas investem naqueles setores em que
acreditam ser possível ter lucro, e o lucro está muito mais relacionado a
custos do que aos preços de venda. Se os custos estiverem caindo, não haverá
problemas se os preços também caírem.
Em um cenário de deflação de preços, os preços
cairiam, mas os custos também cairiam. Custos são preços. Eles também estão
embutidos na queda.
Com o aumento da produtividade e da eficiência dos
métodos de produção, os custos podem cair proporcionalmente mais que os preços,
tornando qualquer empreendimento lucrativo, mesmo com queda de preços.
Ademais, se uma redução de preços contínua levasse a
uma depressão permanente, o setor tecnológico já teria desaparecido. Deflação
de preços é a norma neste setor. Os preços de câmeras, notebooks, smartphones,
televisões etc. só caem. E ainda assim as empresas desses ramos só lucram. Se
uma queda de preços realmente afetasse a confiança das empresas, nenhuma
empresa jamais iria empreender no ramo tecnológico.
Uma
recessão com inflação ou uma recessão com deflação de preços?
Preços em queda são exatamente a "grande vantagem"
de uma recessão econômica.
Apenas se pergunte a si próprio: durante uma
recessão, você quer que o poder de compra do seu dinheiro aumente ou diminua?
Se o futuro do seu emprego está em risco, você quer pagar mais ou menos por
bens e serviços? Se a sua poupança é baixa, você quer que este seu pequeno
dinheiro acumulado tenha maior ou menor poder de compra no futuro?
Se você responder a estas questões racionalmente, você
pode entender por que a deflação de preços é ótima para todos, sendo inclusive
a redenção em um período de contração econômica.
Se temos de aturar uma recessão causada pelo
governo, então que ela ao menos seja uma recessão deflacionária. Muito pior seria
uma recessão inflacionária: você perde seu emprego e sua renda, e seu custo de
vida continua subindo. Pelo mesmo motivo que uma deflação de preços é algo bom,
preços crescentes durante uma recessão representam o pior dos mundos: além de
todo o estrago no bem-estar, tal fenômeno também desestimula a poupança e o
investimento futuro. Ele estimula o consumo presente e, com isso, afeta a
acumulação de capital necessária para o crescimento futuro (entenda os detalhes aqui).
É o perfeito exemplo do
prolongamento do sofrimento.
Conclusão
Na economia, aquilo que é bom para os indivíduos e
para as famílias é também bom para a economia. Todos nós gostamos de barganhas,
promoções e descontos. Todos nós, em suma, gostamos de preços baixos.
Infelizmente, em nossa atual era inflacionária,
preços menores estão restritos apenas a setores muito específicos (todos eles
relacionados à tecnologia). Que sonho seria se os preços em queda destes
setores se expandissem para todos os outros e para tudo aquilo que compramos.
Deixe os economistas e comentaristas econômicos
darem chiliques e se preocuparem com aquilo que seus falaciosos modelos macroeconômicos
lhes ensinam. Apenas desfrute este efêmero fenômeno de uma queda de preços e
aproveite este momentâneo aumento no seu padrão de vida e no poder de compra do
seu dinheiro.
[N. do E.: Desde 1994, o real já perdeu 82% do seu
poder de compra. Este roubo irá continuar. Por isso, aproveite ao máximo
este curtíssimo período de tempo, até que a "normalidade" seja restaurada].
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Para entender por que os preços se estabilizaram no Brasil, confira este artigo.