Na
moderna discussão política, não há termo mais abusado e sobreutilizado do que 'neoliberalismo'.
O
curioso é que, se você questionar o significado exato deste termo à pessoa que
o pronuncia — sempre em tom vituperativo —, ela demonstrará não ter a mais
mínima ideia.
O
que é 'neoliberalismo'? Bom, pelo menos entre seus críticos, 'neoliberalismo'
normalmente nada mais é do que um xingamento para liberalismo.
"Neoliberalismo" virou um termo
pejorativo para o liberalismo laissez-faire
Segundo a Wikipédia, 'neoliberalismo'
é simplesmente sinônimo de liberalismo:
Neoliberalismo é um termo
controverso que se refere primordialmente ao ressurgimento, no século XX, de idéias
do século XIX associadas ao liberalismo econômico laissez-faire. Tais ideias abrangem
amplas políticas de liberalização econômica, como privatização, austeridade
fiscal, desregulamentação, livre comércio, e reduções nos gastos do governo com
o intuito de aumentar o papel do setor privado na economia.
E
por que é um 'termo controverso'? Porque ele é usado quase que exclusivamente
de forma pejorativa, e não como um termo descritivo para denotar imparcialmente
uma ideologia.
Após
estudarem 148 artigos de economia política que utilizam tal termo, os
cientistas políticos Taylor Boas e Jordan Gans-Morse chegaram
à conclusão que o termo "neoliberalismo" praticamente nunca é utilizado
positivamente. O termo é majoritariamente usado por teóricos contrários ao
livre mercado, mas nunca lhe é dado alguma definição: "O significado de
neoliberalismo jamais é debatido e, pior ainda, jamais é sequer definido. Como consequência,
o problema nem é que haja muitas definições para o termo, mas sim que não haja
nenhuma", dizem os autores.
Ademais,
como já dito, ao termo não é dado um rótulo neutro; ao contrário, seu emprego é
feito majoritariamente por pessoas que se opõem ao livre mercado. Dizem os autores:
"Os resultados de nossa análise de ensaios acadêmicos confirmam que o uso
negativo do termo 'neoliberalismo' supera esmagadoramente seus escassos e
eventuais empregos positivos".
Em
outras palavras, "neoliberalismo" significa simplesmente um slogan
anti-liberalismo. Nada mais é do que um termo esvaziado de conteúdo distintivo.
Boas
e Gans-Morse prosseguem:
Um forte indicador das conotações negativas
do termo é o fato de que praticamente ninguém se auto-identifica como 'neoliberal',
ainda que acadêmicos frequentemente rotulem os outros — políticos,
economistas, e até mesmo colegas de trabalho — com este termo. Embora, em
nossa amostra, um quinto dos artigos era sobre os autores se referindo a outras
pessoas como 'neoliberais', o fato é que, em toda a nossa pesquisa, não encontramos
um único exemplo contemporâneo de um autor que tenha utilizado esse termo para
se auto-descrever...
Adicionalmente,
como observam Boas e Gans-Morse, "neoliberalismo" é frequentemente utilizado
para "denotar... uma radical e abrangente aplicação dos princípios do livre
mercado, de uma maneira sem precedentes em termos de velocidade, escopo e ambição."
Para aqueles que desejam parecer "sensatos", "equilibrados" ou "não-radicais",
as conotações do termo 'neoliberalismo' como sendo algo radicalmente em prol do
livre mercado fornece uma razão adicional para evitar ser identificado com o
termo.
O que realmente é o neoliberalismo
Mas
a verdade é que a ideologia neoliberal de fato existe — embora ninguém se
identifique como tal — e possui um significado (um tanto amorfo, mas possui).
E ela nada tem a ver com o genuíno liberalismo. Há uma clara — e intransponível
— distinção entre o liberalismo clássico da Escola Austríaca e o
neoliberalismo.
Poucos
sabem, mas o neoliberalismo surgiu como uma terceira via entre o socialismo e o
liberalismo. Como explicou
Jorg Guido Hülsmann:
As raízes da ideologia neoliberal
remetem às décadas de 1880 e 1890, quando os economistas alemães da Escola
historicista alemã de economia e seus discípulos americanos
convenceram-se de que a concentração industrial tinha efeitos prejudiciais para
a economia e que, por isso, algum tipo de moderação por meio da intervenção
governamental fazia-se necessária. Uma das consequências visíveis dessa
mentalidade foi o Sherman Act (Lei Sherman antitruste),
que desde então substituiu o poder dos consumidores pelo poder dos
burocratas.
Na Alemanha, a filosofia da terceira
via generalizou-se durante a 'Sozialpolitik' estimulada
pelo Kaiser
Wilhelm II. A França copiou o modelo, invocando a necessidade de uma 'tierce solution', assim como também
fizeram os Estados Unidos sob o New Deal.
Entretanto, as primeiras
declarações programáticas do neoliberalismo foram publicadas somente na década
de 1930 — novamente, e previsivelmente, na Alemanha e nos Estados
Unidos. O manifesto mais influente veio do economista de Chicago Henry
Simons, que, em 1934, fez circular uma monografia intitulada A Positive Program for Laissez Faire (Um
Programa Positivo para o Laissez-Faire) — no qual a palavra
"positivo" indicava que esse programa justificava amplas intervenções
governamentais, ao passo que o laissez-faire clássico era um programa
"negativo", no sentido de que ele não fornecia tal
justificativa.
Simons exortava o governo a regular
a oferta monetária e o sistema bancário, a impedir a formação de monopólios, e
a fornecer uma renda mínima para os destituídos — um desvio e tanto do
liberalismo laissez-faire.
Essas ideias expressavam
perfeitamente os sentimentos de uma geração de economistas que haviam sido
criados em um ambiente intelectual inteiramente estatista, mas que no entanto
conheciam as lições ensinadas pelos liberais clássicos. [...] Seu
neoliberalismo animou o trabalho daquelas instituições que surgiram no
pós-guerra com o intuito de estancar o crescimento do estatismo — mais
especificamente a Mont Pèlerin Society e o Institute for Economic Affairs de
Londres.
O
neoliberalismo, portanto, surgiu entre ex-socialistas que haviam percebido que
o socialismo não funcionava, mas que também não queriam abraçar inteiramente o
liberalismo clássico.
O
neoliberalismo possui uma agenda abertamente intervencionista, ainda que menos
intervencionista que o próprio socialismo. Historicamente, neoliberais defendem
monopólio estatal da moeda por um Banco Central, agências reguladoras
para controlar determinados setores da economia, programas de redistribuição de
renda, leis e regulações anti-truste, concessões em vez de genuínas privatizações e desestatizações,
ajustes fiscais por meio de aumentos de impostos, além, é claro, de monopólio estatal
da justiça, e saúde e educação fornecidas pelo estado.
O
próprio Ludwig von Mises batalhou
contra um grupo de economistas da Mont Pèlerin Society que, na década de
1940, poderiam ser rotulados de 'neoliberais'. Para Mises, esses neoliberais
eram apenas relativamente liberais — comparados aos doutrinários socialistas
—, mas ainda eram intervencionistas que defendiam o monopólio estatal da moeda
por um Banco Central, programas assistencialistas, e todo aquele supracitado aparato
regulatório e burocrático comandado pelo estado.
Mises
havia argumentado que uma divisão racional do trabalho poderia ocorrer apenas
se houvesse preços de mercado para os fatores de produção — algo que, por sua
vez, requeria a propriedade privada desses fatores. Em contraposição, os
neoliberais centraram-se exclusivamente nos preços em si, menosprezando exatamente
as condições que permitiam o fenômeno da livre formação de preços.
Mises
já havia demonstrado que o socialismo é impossível de existir porque tal
arranjo não permite a formação
de preços e o conseqüente cálculo de custos, lucros e prejuízos. Porém,
para os neoliberais, a conclusão prática deste argumento da impossibilidade do
cálculo sob o socialismo não era a de que o governo não deveria interferir na
propriedade, mas sim a de que ele deveria abster-se de intervir nos
preços especificamente.
Como
explicou Hülsmann:
Ao passo que Mises havia
simplesmente declarado que uma divisão do trabalho baseada no cálculo de preços
poderia ocorrer apenas onde existisse a propriedade privada, os neoliberais
planejavam manipular os sistemas institucional e jurídico com o intuito de
"aprimorar" a divisão espontânea do trabalho gerada naturalmente pelo
laissez-faire.
Para os neoliberais, o mercado era importante,
mas eles acreditavam que a intervenção governamental poderia acentuar a
"eficiência" e a "imparcialidade" do processo de
mercado. Ao contrário dos socialistas, os neoliberais acreditavam que o
mercado levaria a sociedade à direção correta; porém, ao contrário dos liberais
clássicos, eles acreditavam que um mercado livre e desimpedido geraria
resultados aquém do seu verdadeiro potencial.
Neoliberais,
portanto, acreditam existir "intervenções capazes de aprimorar o mercado".
Sucintamente, pode-se dizer que neoliberalismo é uma
mistura de social-democracia, keynesianismo e alguma liberdade de mercado em
termos microeconômicos.
Para aqueles que acompanham o debate de idéias, a distinção
entre neoliberais e liberais clássicos é explícita. Já para esquerdistas
anti-liberais, que observam tudo de fora, austríacos, chicaguistas e
neoclássicos são exatamente a mesma coisa.
Para eles, todos esses "neoliberais" são igualmente a favor do livre mercado
e do livre comércio, portanto todos eles concordam com os neoliberais do FMI (cuja
presidência, aliás, já pertenceu ao líder do Partido
Socialista francês).
Em algumas raras ocasiões, os críticos do
neoliberalismo acabam acertando por
acidente. Por exemplo, quando eles (corretamente) se opõem a acordos
comerciais gerenciados pelo governo, como o Acordo Transpacífico de
Cooperação Econômica (TPP, em sua sigla em inglês). Mas eles acertam pelas razões
erradas. Eles se opõem a esses acordos comerciais não porque eles são acordos gerenciadas e
controlados pelo governo; não porque eles representam uma extensão do
estado regulatório e corporativista; mas sim porque eles erroneamente acreditam
que acordos comerciais gerenciados e controlados por governos representam um genuíno livre
comércio.
Opondo-se
tanto aos neoliberais quanto aos intervencionistas
A única conclusão é que os defensores consistentes
do laissez-faire estão cercados, de
um lado, pelos reais neoliberais e, do outro, pela esquerda anti-capitalista e
anti-neoliberal.
Se pudesse, a esquerda anti-neoliberalismo
alegremente expropriaria várias empresas. O empreendedorismo seria sufocado, as
pequenas empresas seriam reguladas ao ponto de fecharem as portas, e o setor financeiro
ficaria — mais ainda do que já é hoje — sob completo controle do estado.
Por outro lado, os neoliberais continuariam
manipulando a economia por meio de suas políticas monetárias e fiscais, regulando
vários setores da economia por meio de suas agências reguladoras, ajudando e
protegendo grandes empresas, evitando genuínas desestatizações em favor de falsas
privatizações, de concessões com prazo determinado, e de parcerias
público-privadas, e, acima de tudo, expandindo ainda mais o estado
assistencialista.
E ambos os grupos dariam as mãos em sua defesa da saúde
e da educação sob controle do estado, divergindo apenas no fato de que os
neoliberais ao menos aceitam que também haja saúde e educação privada em paralelo.
Ambos os grupos constituem ameaças significativas à
causa do laissez-faire.
De resto, aquilo que a esquerda chama de
neoliberalismo é, na verdade, um não-liberalismo.
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Ryan
McMaken, editor do Mises Institute americano.
Juan
Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e
professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em
Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von
Mises Brasil.