Governos em crise orçamentária e que realmente
querem domar a prodigalidade fiscal legada pelas administrações anteriores deveriam
se inspirar na Suíça e na eficácia da medida que ela adotou.
Em 2001, 85% dos suíços votaram em
prol de uma iniciativa que efetivamente exigia que os gastos do seu governo
central não crescessem mais do que a tendência de crescimento de suas receitas,
obrigando que as despesas do governo fossem majoritariamente financiadas
exclusivamente por impostos, e não por endividamento.
A reforma, chamada na Suíça de "freio da dívida",
tem se mostrado
muito exitosa — apenas o Partido Social-Democrata suíço tem feito algumas
críticas, dizendo que a medida coloca muita ênfase em reduzir a dívida e pouca ênfase
na melhoria da já impressionante infra-estrutura do país.
Antes de a lei entrar em efeito em 2003, os gastos
do governo central suíço estavam crescendo a uma média de 4,3% ao ano. Após 2003, passaram a crescer a uma média de apenas 1,1% ao ano, e isso em termos nominais.
Trata-se de uma taxa de crescimento incrivelmente
baixa. (Para se ter uma ideia, neste
mesmo período, os gastos do governo federal brasileiro, antes da Covid-19 e desconsiderando as despesas com o serviço da dívida, aumentaram
a uma média de 11,25% ao ano em termos nominais).
Não
é perfeito, mas é o que há
O "freio da dívida" suíço não exige um orçamento equilibrado
no sentido tradicional do termo. As receitas
tributárias, como bem
sabemos por experiência própria, tendem a crescer rapidamente quando a
economia está indo bem, e entram em queda quando a economia engasga e entra em recessão. Com o intuito de suavizar as brutais variações
orçamentárias que seriam geradas por esse movimento cíclico das receitas, o
freio da dívida suíço limita o crescimento dos gastos do governo central ao
aumento médio das receitas ocorrido ao longo de um período de vários anos
anteriores (calculado pelo Departamento
Federal das Finanças da Suíça).
De um lado, essa característica agrada aos
keynesianos, que gostam de déficits orçamentários quando a economia está em
recessão e as receitas tributárias caem. [N.
do E.: embora isso comprovadamente
não traga nada de positivo]. Mas,
de outro, agrada também aos defensores de uma política fiscal austera, pois os políticos
não podem aumentar o gasto quando a economia está indo bem e o Tesouro está
repleto de dinheiro. [N. do E.: que foi
exatamente o que fez o governo Lula em seu segundo mandato e o governo Dilma em
seu primeiro mandato, em que ambos
quase triplicaram os gastos].
Igualmente importante, é muito difícil para os
políticos aumentarem o teto dos gastos por meio de um aumento de impostos (o que
geraria mais receitas). As alíquotas máximas
para a maioria dos impostos nacionais na Suíça são constitucionalmente
determinadas: a alíquota máxima do imposto
de renda de pessoa física é de 11,5%; a do imposto sobre o valor agregado (equivalente
ao nosso ICMS) é
de 8%, e a do imposto
de renda de pessoa jurídica é de 8,5% (sobre os lucros antes da incidência dos
impostos cantonais).
As alíquotas só podem ser alteradas por meio de um "referendo de
dupla maioria": não apenas a maioria das pessoas tem de ser favorável à
emenda, como também a maioria dos cantões tem de dar seu consentimento. Na prática, isso significa que a maioria dos
eleitores na maioria dos cantões tem de estar a favor.
Desnecessário dizer que, na Suíça — país onde,
recentemente, os
eleitores esmagadoramente recusaram uma renda mínima de R$ 9 mil para todos
—, isso não tem muitas chances de ocorrer. A história mostra que os suíços são mais propensos a votar reduções de
impostos do que aumentos de impostos.
Consequências
Esse teto de gastos da Suíça ajudou o país a evitar
a avassaladora crise fiscal que vem afetando quase todos os países europeus.
Os gastos totais do governo central da Suíça hoje estão em
12% do PIB, e o gasto total, em todos os níveis de governo, está em 31,5% do PIB. Em 2003, quando o "freio
da dívida" entrou em efeito, os gastos totais estavam em 34% do PIB, o que mostra que a medida foi extremamente eficaz em
manter os gastos do governo sob controle.
A situação se torna ainda mais notável quando se
considera como os gastos do governo, que representam um fardo para
qualquer economia, saltaram na maioria dos países desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, nesse mesmo período de
tempo, os gastos do governo saltaram de 36% do PIB para 38% do PIB, chegando
a bater em 43% em 2009.
Mas foi em termos de dívida em relação ao PIB que o "freio
da dívida" suíço mostrou realmente a que veio: a queda da dívida foi fragorosa,
despencando de quase 60% do PIB em 2003 para 40% do PIB atualmente.

Neste mesmo período, os níveis de endividamento dos países
da zona do euro saltaram
de 70% para mais de 85% do PIB, chegando a bater em 93%.
[Para efeitos de comparação, a dívida do governo
brasileiro era de 75% do PIB, imediatamente antes da Covid].
Conclusão
O sistema suíço, como já dito, não é perfeito. Alguns programas relacionados à seguridade
social estão isentos do teto de gastos, de modo que os gastos presumivelmente irão
aumentar nesta área à medida que a população vai envelhecendo — muito embora a
Suíça ainda esteja em boa forma, uma vez que uma grande fatia de seus gastos
com saúde e previdência é feita pelo setor privado.
Ainda assim, a adoção de uma variável razoavelmente
estável para limitar os gastos do governo (como o crescimento médio das
receitas nos últimos anos) é uma abordagem factível que, para a Suíça, criou
uma genuína restrição ao crescimento dos gastos e da dívida do governo. [N. do
E.: no caso do Brasil, por causa da prolongada recessão entre 2014 e 2016, as receitas nominais do governo ficaram estagnadas durante aquele período, o que praticamente obrigaria a um muito
bem-vindo congelamento de gastos].
Muito ajudou também o fato de que, na Suíça,
aumentos de impostos federais só podem ser efetivados por meio de um referendo de
dupla maioria. Tal sistema não existe na
maioria dos outros países do mundo, mas não é nada que uma emenda
constitucional não possa promulgar. Aqueles
que se dizem defensores da democracia não irão se opor a tal medida.
Por fim, é claro que nenhum político quer ser
submetido a nenhum tipo de restrição à sua capacidade de aumentar livremente os
gastos e, com isso, comprar votos com o dinheiro dos pagadores de
impostos. Mas a atual situação fiscal dos governos mostra que essa prática, até então corriqueira, já está
emitindo claros sinais de exaustão.
Devemos emular a Suíça para não viramos uma Grécia.