Eis
um dos maiores e menos reconhecidos inimigos da liberdade: o caráter subjetivo
e abstrato da noção de custo. A tese que pretendemos explorar, em uma frase,
pode ser colocada da seguinte maneira: quanto mais nos aprofundamos na trilha
intervencionista, mais difícil é conceber alternativas liberais.
Iniciemos
com a noção de custo: trata-se da importância que uma pessoa atribui àquilo que
abdica quando faz uma escolha. Por isso utilizamos por vezes a expressão
"custo de oportunidade": o custo de ler este artigo é igual ao valor
que você atribui à outra coisa que faria com esses minutos empregados na
leitura. Simples, não? De fato, a Economia é baseada em uns poucos princípios
simples como esse.
Contudo,
existe uma trágica ironia aqui: embora a maioria das pessoas considere tais
princípios bastante óbvios, quando examinamos as consequências lógicas desses
princípios e os aplicamos a questões econômicas, as mesmas pessoas não percebem
ou não aceitam essas conclusões. Vejamos alguns exemplos que giram em torno da
ideia de custos.
Em
primeiro lugar, sempre que houver escassez de algum recurso, existirão usos
alternativos dos mesmos. O mais popular erro de análise econômica — a falácia
do almoço grátis — nega esse princípio. Quantas vezes ouvimos falar das realizações
dos políticos, sem sequer uma palavra proferida sobre os custos dos projetos
implementados? Mas, se algo for feito, sempre será à custa de outra coisa útil
que deixou de existir.
Apesar
disso, quantas vezes nas aulas de Economia Brasileira ouvimos a história de que
se o governo brasileiro não tivesse adotado medidas protecionistas, o Brasil
não teria se industrializado? Será que as pessoas ficariam de fato inertes,
plantando banana?
A
falta de imaginação sobre caminhos alternativos se relaciona com outro aspecto
da noção de custo: sua natureza subjetiva. Isso significa que o custo de
oportunidade de uma escolha depende de quem faz essa escolha. Sendo assim, o
custo da leitura dessas páginas será, para certo indivíduo, deixar de ler
outros textos, para outro, deixar de paquerar uma vizinha, ou não assaltar a
geladeira naqueles minutos, para um terceiro.
Poderíamos
concluir então que o custo de oportunidade da política protecionista depende de
quem a analisa? Para o intervencionista, tal custo seria plantar bananas. Para
o liberal, uma economia ainda mais industrializada. De fato, como o conceito de
custo está relacionado à noção de escolha, as decisões políticas tomadas pelo
intervencionista ou pelo liberal refletem suas opiniões sobre o valor das
alternativas disponíveis.
Isso
nos leva a outro aspecto dos custos, relacionado ao seu caráter subjetivo: sua
natureza conjectural. Se fizermos uma escolha, o custo dessa escolha será,
estritamente falando, para sempre desconhecido. Se alguém escolhe
profissionalmente a academia, abdica de se dedicar ao mercado financeiro. Essa
escolha implica que a primeira alternativa é preferida, mas, quem garante que,
ao se dedicar ao mercado, essa pessoa não teria descoberto sua "verdadeira
vocação" ou mesmo uma nova teoria, com base em sua experiência? Sendo
assim, não há como medir os custos de uma decisão se não tivermos uma máquina
do tempo que nos levasse de volta ao passado, possibilitando que explorássemos,
em um universo paralelo, o que ocorreria se a decisão fosse outra.
Mas,
se os custos são subjetivos e conjecturais, nada pode ser dito sobre seu
conteúdo? Na verdade, se nos afastarmos da "pura lógica da escolha"
utilizada para estudar uma decisão de um único indivíduo e passarmos a estudar
as decisões nos mercados, o grau de subjetivismo do conceito é menor e os
agentes podem de fato discordar sobre o valor dos bens. Os agentes podem, por exemplo, se enganar
sobre o valor que os outros atribuiriam a certo produto. No mercado, o custo
monetário do aluguel de um imóvel, por exemplo, reflete seu custo de
oportunidade, já que a disposição a pagar por esse serviço por parte dos demais
empresários reflete a opinião que esses têm sobre a capacidade de imóveis
semelhantes gerarem riqueza em outros mercados, que operam ao mesmo tempo.
Quanto
mais usos alternativos são possíveis simultaneamente, mais concreto será o
custo de oportunidade. Sob competição, existem incentivos para que a atividade
empresarial seja dirigida à avaliação dos usos alternativos e uma má avaliação
tende a resultar em prejuízo, corrigindo assim a opinião equivocada sobre o
valor dos bens. Sob monopólio, por outro lado, esses incentivos são diminuídos —
os custos de oportunidades começam a sofrer de falta de imaginação.
Uma
decisão de que carreira seguir, por sua vez, envolve custo de oportunidade mais
indefinido, como vimos. De fato, um engenheiro poderia apenas conjecturar quão
feliz seria se fosse um bailarino profissional. Isso ocorre porque não existe a
possibilidade de se dedicar simultaneamente a várias carreiras. Finalmente, se
tomarmos uma decisão de política econômica, pelo fato de que apenas uma delas
pode ser testada por vez, é muito mais difícil perceber o custo de oportunidade
das escolhas feitas.
Nos
exemplos acima, quanto mais alternativas houver para serem exploradas, mais
definido será o custo de oportunidade de uma ação. Isso nos leva de volta à
tese deste artigo: quanto mais nos aprofundamos na trilha intervencionista,
mais difícil será conceber alternativas liberais. Quanto mais intervencionista
for uma sociedade, maior a quantidade de escolhas tomadas sob ambientes
controlados centralmente, sobrando menos espaço para que a ação livre tente
caminhos alternativos não imaginados anteriormente. Menos soluções tentadas
simultaneamente, menor imaginação a respeito de alternativas.
O
leitor pode testar essa tese propondo, em encontros com colegas, a
desestatização de qualquer serviço, ou uma reforma mais modesta, mas na direção
de menor controle. A reação negativa sempre inclui observações sobre a
impossibilidade de se viver sem as instituições presentes. Sem regulação no
setor aéreo, o que garante que rotas menos importantes seriam mantidas? Sem
correio estatal, o que garantiria que cartas seriam entregues em lugares
remotos? Sem reservas fracionárias, o que garantiria que a poupança financiasse
o investimento? Sem bancos centrais, o que garante que os preços sejam
estabilizados? Sem faróis estatais, o que garante que os navios não se choquem
com recifes, já que seria impossível cobrar de navios que usem o serviço, mas
se recusam a pagar por ele?
Em
todos esses casos, a dificuldade em perceber que existiriam alternativas
resiste até mesmo a ensaios históricos que mostram como as coisas de fato eram
diferentes em tempos passados ou ainda hoje em outras sociedades. Embora Coase[1] tenha
mostrado como na Inglaterra faróis sinalizadores privados resolveram o problema
da cobrança de seus serviços, ainda assim esse serviço é utilizado nos
livros-textos modernos como um dos principais exemplos de serviços que não
poderiam ser ofertados por firmas privadas.
É
sempre muito divertido mencionar a proposta de Hayek sobre a desnacionalização do dinheiro
e observar a reação do seu interlocutor. Este, invariavelmente, ficará irritado
com a simples discussão de uma hipótese interessante, mas radicalmente
diferente das instituições que santifica. Ironicamente, será você o acusado de
dogmatismo.
Naturalmente,
propostas muito diferentes das adotadas no presente não passaram por um
processo de seleção por tentativas e erros. Nesse caso, o conservadorismo tem
papel crucial para a preservação da civilização. Contudo, isso não serve como
desculpa para justificar indiscriminadamente o monopólio estatal e o status
quo. Em muitos casos, se as alternativas fossem de fato inviáveis, por que
o temor? Por que proibi-las? Além de preservar privilégios, a garantia do
monopólio impede que alternativas sejam vislumbradas.
Em
um mundo intervencionista, o estatista é o verdadeiro conservador. Uma crucial
tarefa "progressista" do liberal será então mostrar que existem alternativas
ao estatismo, por meio de estudos teóricos e históricos que mitiguem a falta de
imaginação a respeito do custo de oportunidade das escolhas de políticas
econômicas.
[1] Coase, R. H. The Lighthouse
in Economics, Journal of Law and Economics 17 (2): 357—376,
1974.