Uma
sucessão de bolhas? A bolha da tecnologia, que inflou de 1995 ao estouro
em 2000, foi sucedida pela bolha imobiliária, que estourou em 2007-2008. No momento, boa parte dos especialistas
defende que há uma bolha dos títulos dos governos ao redor do mundo.
De fato, os juros nunca estiveram tão baixos. O Tesouro do governo dos
Estados Unidos está pagando apenas 2,09% ao ano para o prazo de dez anos
[1], e
créditos exóticos, como os Tesouros de Ruanda e Mongólia, aproveitaram o
momento para captar dinheiro fácil.
Há
quatro anos acredita-se que os juros deveriam subir, mas, desafiando os
especialistas, os juros caem ano após ano. A pergunta é: temos realmente
uma bolha de títulos de renda fixa, ou há algum outro fator estrutural que
explique tal comportamento paradoxal dos juros? O que isto significa para
o mercado de ações nos Estados Unidos e no Brasil?
Nicolai
Kondratiev[2] foi
um economista russo do princípio do século XX, que se propôs a estudar falhas
da economia capitalista. Em livros e estudos, chegou à conclusão de que
esta percorre ciclos econômicos longos e razoavelmente regulares. Os
principais seguidores atuais da tese dos ciclos de Kondratiev — ou K-wave —
acreditam que o ciclo varia de 55 a 80 anos. As variáveis
explicadas pelos ciclos longos são principalmente taxas de juros, preços
de ações[3],
e inflação.
Ao
passo em que os chamados "ciclos econômicos", que variam de 7 a 15 anos, são
usualmente traçados causalmente a políticas monetárias dos Bancos Centrais,
a K-wave é supostamente explicada por outros fatores, como
tecnologia ou demografia[4].
Prefiro,
no entanto, entender o comportamento da K-wave primordialmente por
fatores causais relacionados a respostas monetárias e fiscais do
sistema — sejam advindas das políticas monetária e fiscal, ou do
próprio sistema financeiro privado —, que por sua vez refletem paradigmas
geracionais[5].
A K-wave costuma
ser dividida em quatro "estações" de 15 a 20 anos cada. Não
recomendo o foco na duração das estações, mas sim na sua sucessão lógica bem
como nos indicadores de mudança da estação.
O
diagrama abaixo mostra de forma simplificada o atual ciclo Kondratiev dos
Estados Unidos, cuja passagem do Inverno para a Primavera ocorreu
em 1949 (veja no diagrama a passagem entre estas estações na posição das seis
horas, marcada à época em que o mercado acionário tocou o ponto mais baixo).
A Primavera de
Kondratiev começa quando a economia já está depurada: os bancos já se livraram
dos ativos tóxicos e se tornaram melhor capitalizados, e não são mais
necessárias políticas monetárias e fiscais agressivas. É o período no qual
gradualmente o processo inflacionário é retomado (reflação), após
a longa temporada hibernal, deflacionária e desalavancadora.
A
confiança ainda permanece frágil, e há receio pelos agentes de uma recaída da
deflação, que caracterizou o Inverno (descrito mais
abaixo). Há uma retomada lenta do crédito, e as taxas de juros sobem um
pouco, de maneira gradual. Os ativos mais beneficiados são ações e
imóveis. Os preços dos títulos (e
demais ativos de renda fixa prefixados), que atingiram o topo no fim do
inverno, começam a cair, pelo aumento gradual das taxas de juros.
Diagrama
de Kondratiev – estações

Fonte: http://www.mitonoptimal.com/include/pdf/media/109/WeeklyComment-Week4.pdf
O Verão começa
quando o mercado acionário alcança o topo histórico (all-time high) e
inicia leve descida (conforme o diagrama, o Verão se iniciou
em 1966, na posição das nove horas). A confiança no futuro dispara, a
inflação gradualmente acelera até chegar ao máximo ao fim do Verão. As
taxas de juros também batem no topo no mesmo momento. Os ativos mais
beneficiados são imóveis, commodities, e ouro. Os títulos tocam o preço mais baixo
(o que significa que seus juros chegam ao valor mais alto).
Ao
final do Verão a economia já está em recessão inflacionária (estagflação).
Os indicadores da passagem do Verão para o Outono são
a recessão, e a inflação que já começa a ceder. As ações, portanto, tocam
um ponto baixo na passagem para o Outono. (veja a passagem do Verão para
o Outono, em 1980, na posição das doze horas).
Durante
o Outono a inflação começa a ser debelada e cai durante
todo este período desinflacionário, e a confiança dos agentes
aumenta gradualmente, inicialmente aumentando suavemente, mas eventualmente
alcançando a euforia ao final da estação. As taxas de juros caem durante
todo o Outono, beneficiando ações, títulos, e imóveis, e punindo
severamente commodities e o ouro, que chegam ao mínimo no fim da estação.
O endividamento aumenta. Ao final do Outono, há um crash no
mercado acionário.
O
ponto máximo (all-time high) das ações e o crash marcam
o início do Inverno (que começou em 2000 nos Estados
Unidos, com o toque no máximo do S&P500 em 1.530 pontos, seguido do estouro
da bolha de tecnologia, marcado no diagrama na posição das três horas). A
confiança migra gradualmente de preocupação ao medo, do medo ao pânico, e do
pânico à desesperança, principalmente por conta do impacto de uma crise
bancária e da desalavancagem. A moderação da inflação de preços se acentua e
passa a haver pressão deflacionária.
A
desalavancagem do setor financeiro com a contração aguda do crédito gera
inadimplência e defaults. As taxas de juros caem muito, e
os títulos começam a
subir no meio da estação, após a contração aguda do crédito, e chegam ao topo
ao final do Inverno. Mesmo tendo caído muito com o crash, o
mercado acionário sofre duas ou três correções agudas adicionais após altas
provisórias, durante o Inverno. Os ativos de curto prazo e de
'caixa', bem como o ouro, se beneficiam.
Segundo
a análise da K-wave, os Estados Unidos se encontram atualmente
no Inverno, que se estima que perdure até 2015-2020. O
índice de ações S&P500 (ver Figuras 1 e 2 abaixo), importante indicador de
mudança de estações, mostra que os dois picos após o crash de 2000 (em
2007 e agora em abril de 2013) falharam em se aproximar dos 1.530 anteriores
(quando ajustados pela inflação, conforme ilustra a Figura 2). Caso o
S&P500 alcance e se sustente na faixa entre 1.750 e 1.850 pontos, a análise
de K-wave indicará que provavelmente o Inverno terá
sido superado. Mas ainda estamos distantes deste ponto. A K-wave sugere
que haverá ainda mais um crash antes da entrada na Primavera,
completando a terceira perna de queda.
Figura 1 – S&P 500 (1997-2013)

fonte: Bloomberg, O Ponto Base.
Figura 2 – S&P 500 em dólares constantes de
2000 (1997-2013)

fonte: Bloomberg, O Ponto Base.
Outro
importante indicador, o índice Preço/Lucro (P/L ou PE Ratio) está
hoje em 15,5x, ou seja, muito abaixo do nível do ano 2000, de 30x.
O P/L deveria alcançar e permanecer em18 a 20x para
uma comprovação de que o Inverno já tenha sido superado.[6]
Figura 3 – Índice Preço/Lucro (PE Ratio)
do S&P 500 (1994-2013)

fonte: Bloomberg, O Ponto Base.
Hoje
há um relevante suporte para os preços das ações. E não tem nada a ver
com o tal do "great rotation" — que os 'comprados' acreditam que
ocorreria desde 2012 —, e que consistiria no êxodo dos investimentos em títulos (por
conta de suposta alta de juros) para alocação em ações. O suporte é
baseado no fragilíssimo argumento de que o dividend yield[7] de
2,5 a 3% excede os juros dos títulos, ou seja, de que os
rendimentos com dividendos excedem os rendimentos em renda fixa.
De
fato, esta força representa mais que um mero suporte, pois está havendo efetiva
pressão de compra. É temerário que empresas como IBM captem recursos a 1%
ao ano para pagar dividendos e aumentar o dividend yield, criando
incentivos artificiais para a alta das ações. Essa artimanha por
estes hackers do sistema não é sustentável.
Os
Estados Unidos e o mundo desenvolvido possuem atualmente economias auxiliadas à base de
maciças injeções monetárias e aumento de dívida pública. Não
obstante, as forças deflacionárias do Inverno de Kondratiev
desafiam e suplantam as ações dos governos. Os preços dos títulos
demonstram ser sustentáveis e devem permanecer altos (ou seja, com juros
baixos) até a entrada da Primavera. Deve-se ficar
atento aos sinais do S&P500 e de seu P/L, que serão importantes para
referendar uma efetiva mudança de estação.
Em
que ponto da K-wave está o Brasil? O que isto significa
para ações, inflação e juros brasileiros?
E
afinal, por que utilizar uma teoria não aceita pelo mainstream para
usar como uma das ferramentas de análise de investimentos? Por que razão
ocorre uma sucessão repetitiva de estação para estação na K-wave?
Em
breve discorrerei sobre essas questões.
Artigo originalmente publicado em O Ponto Base.
________________________________________
[1] Menos
que os níveis correntes de inflação.
[2] [é
também comum a grafia Kondratieff] Kondratiev, que tinha apoio
do establishment durante a era Lênin, foi assassinado em 1938 por ordem de
Stalin na Gulag em que se encontrava preso desde 1930. Stalin se
desapontou quando Kondratiev deixou de corroborar sua crença de que o
capitalismo se extinguiria com a Grande Depressão.
[3] Recomendo o premonitório livro de
Michael Alexander, Stock
Cycles - Why Stocks Won't Beat Money Markets over the Next Twenty Years.
Não discorre apenas sobre K-wave, mas é uma boa introdução ao tema.
[4] O
conceito de ciclos econômicos é em grande medida aceito pela ciência econômica
convencional, ou mainstream, em contraste com o conceito de K-wave.
[5] Explicarei
tal mecânica em artigos posteriores.
[6] A média
histórica do P/L americano desde 1900 é de 16x. Um valor acima de 16x
indica que há expectativa de crescimento de lucros que justifique um múltiplo
acima da média.
[7] Dividend
yield é a razão entre os dividendos anuais por ação e o preço atual da
ação