segunda-feira, 19 nov 2012
Agora
que Obama foi reeleito e a mídia foi finalmente liberada de sua prestimosa
função de 'chefe de torcida' para a reeleição do ungido, toda a atenção
voltou-se para um só assunto: o "precipício fiscal" para o qual a economia
americana está se dirigindo e no qual ela chegará no início de 2013 — a menos
que o Congresso e o presidente cheguem a um acordo e pisem no freio ou virem o
volante.
Ainda
fresquinho de sua vitória, Obama dedicou parte do seu discurso para explicar
sucintamente como ele propõe evitar a queda no precipício: aumentando os
impostos sobre aqueles americanos que ganham mais de US$250.000 por ano. Ele deixou claro que ninguém que ganha menos
do que isso será intimado a pagar mais em impostos. Qual a fatia da população
americana que ganha mais de US$250.000 por ano?
Apenas 2% da população que paga impostos. Esses 2% que Obama quer atacar ganham 24,1%
de toda a renda do país e são os responsáveis por 43,6% (dados de 2008) de toda
a receita do governo federal com o imposto de renda de pessoa física.
De
acordo com vários estudos de entidades autônomas e apartidárias, os 4 ou 5
pontos percentuais que Obama quer aumentar no imposto de renda destas pessoas irão
gerar uma receita adicional de aproximadamente US$30 ou US$40 bilhões por
ano. Dado que o déficit orçamentário do
governo federal está muito acima de US$1 trilhão por ano, essa receita
adicional seria apenas uma gota no balde.
Mesmo se estes ricos dobrassem
a quantia que pagam atualmente de impostos, o déficit do governo americano seria
reduzido em apenas um terço — e isto supondo que tamanho aumento de impostos
não gerassem nenhum efeito recessivo sobre a economia (o que teria o efeito de
diminuir as receitas tributárias do governo), uma suposição bastante otimista.
Mas
o que é exatamente esse tal "precipício fiscal"? Por que ele é tido como uma ameaça
perigosa? Despido de todo o linguajar
retoricamente carregado, o precipício fiscal é um mecanismo que, de maneira
legal, entra em ação automaticamente com o intuito de reduzir o déficit do
governo americano em 2013. Em outras
palavras, trata-se de um gatilho orçamentário que é disparado automaticamente,
impondo cortes de gastos e aumentos de impostos. Ou seja, o governo federal terá
obrigatoriamente de gastar menos, sendo que uma maior fatia de seus gastos terá
de ser paga via impostos e não via emissão de dívida. Não seria exatamente isso o que ambos os
partidos, mais ou menos como o público em geral, querem? O precipício fiscal significa que o déficit
orçamentário do governo federal será imediatamente reduzido à metade, caindo de
seu atual valor (previsto) de US$1.1 trilhão em 2012 para aproximadamente
US$641 bilhões em 2013. O que há de tão
terrível nisso? Eu diria que há um
perigo muito maior em se evitar o precipício do que em dirigir até ele.
O
leitor há de se lembrar que o precipício foi criado ano passado, quando o
Congresso não conseguiu encontrar maneiras de reduzir o déficit em troca de um aumento no teto da dívida. O teto da dívida foi elevado, mas ninguém
apresentou propostas concretas sobre como iriam reduzir o déficit. O resultado dessa concessão foi o Budget Control Act of 2011 (Decreto do
Controle Orçamentário de 2011), assinado em agosto daquele ano com o intuito único
de 'fazer de conta' que estavam preocupados com o longo prazo da crise fiscal,
e não simplesmente elevando o teto da dívida sem a imposição de compromissos
especiais. Isso foi feito não apenas
para apaziguar alguns deputados republicanos que ameaçavam votar contra o
aumento do teto da dívida, mas também para satisfazer as agências de
classificação de risco que haviam ameaçado reduzir a nota dos títulos
americanos caso o Congresso não apresentasse nenhuma proposta.
Agora
o enfoque passa a ser como o Congresso irá desmantelar a estrutura que ele
próprio criou há apenas 16 meses. Não há
dúvidas de que ele fará isso, dado que todos os economistas favoritos do regime
estão assegurando aos políticos que o precipício fiscal irá produzir uma
imediata recessão. A expiração
automática dos cortes de impostos feitos por Bush em 2002 irá custar aos
americanos aproximadamente US$423 bilhões apenas em 2013. E embora centenas de bilhões de dólares em
cortes generalizados de gastos, inclusive para o setor militar, já tenham sido
esboçados, nenhum político permitirá que isso ocorra.
É
incrível como os membros do Congresso conseguem manter a cara limpa quando
dizem querer atacar o problema do déficit ao mesmo tempo em que fazem de tudo
para evitar qualquer ação substantiva.
Não há dúvidas de que haverá um acordo conciliatório. Mas isso apenas irá substituir o atual
precipício fiscal por outro ainda pior no futuro (o qual, por sua vez, também
poderá ser facilmente desmantelado antes do decisivo e fatal precipício
final). Será que as agências de
classificação de risco irão aceitar este logro novamente? Se o país não possui a coragem política para
enfrentar o precipício atual, por que alguém deveria crer que haverá estomago
para o próximo, o qual será muito pior? Especialmente
quando se leva em conta que, a cada vez que se adia um precipício, simplesmente
se está aumentando o tamanho do próximo, tornando ainda mais difícil e doloroso
seu enfrentamento.
Muitos
comentaristas acreditam que o rebaixamento da classificação dos títulos
americanos pela agência S&P no ano passado foi por causa da inação
congressional que resultou no acordo do precipício fiscal. Mas a verdade é que a redução da nota
provavelmente teria sido muito maior — e mais agências de classificação de
risco provavelmente teriam se juntado à S&P — não fosse o acordo do
precipício fiscal. Se novos rebaixamentos
não ocorrerem quando este Congresso desmoralizado inevitavelmente inventar um
novo acordo para empurrar com a barriga a solução do déficit, então as agências
perderão qualquer credibilidade que ainda desfrutam. Em minha opinião, a única explicação para a
inação das agências de classificação de risco é o seu temor de sofrer alguma
retaliação regulatória do governo americano, que é quem as regulamenta.
Não
creio ser nenhuma coincidência que, enquanto os bancos estão sofrendo uma fúria
regulatória em decorrência de sua reconhecida culpabilidade pela crise
hipotecária, as agências de classificação de risco permaneceram relativamente
intocadas, sendo que elas tiveram um papel fundamental em criar e intensificar
a crise hipotecária, pois foram elas que forneceram classificações
questionavelmente altas para títulos lastreados em hipotecas insolventes. Meu palpite é que o governo americano simplesmente
não quer cutucar esse vespeiro, uma vez que erros similares estão sendo
cometidos por essas mesmas agências em relação à classificação dos títulos
governamentais.
A
verdade é que, independentemente de qual rótulo queiram utilizar, cair no
precipício fiscal não é o problema, mas sim parte da solução. O Congresso na realidade deveria se empenhar
para construir um precipício grande o bastante para restaurar o equilíbrio
fiscal antes que desastre irreversível ocorra.
Esse desastre virá na forma de uma crise do dólar ou da dívida soberana,
que fará com que este atual precipício fiscal pareça apenas um simples
amontoado de formigas.