quarta-feira, 21 mar 2012
Com
a desculpa de isso ser necessário para lutar suas várias e fabricadas guerras contra
as drogas, contra o terror, contra a sonegação de impostos e contra o crime
organizado, o governo americano há muito vem travando uma guerra oculta contra
o dinheiro em espécie. Um sintoma desta guerra é
que a mais alta denominação da moeda americana é a cédula de US$100, cujo poder
de compra — em contínuo declínio — é muito menor que o poder de compra da cédula
de €500. Já houve uma época em que a moeda americana era
emitida em denominações que iam até US$10.000 (incluindo também cédulas de
US$500, US$1.000 e US$5.000). Já houve
até uma cédula de US$100.000 emitida para transações entre os bancos que lidam
diretamente com o Federal Reserve.
Os
EUA pararam de imprimir cédulas de grande denominação em 1945 e, oficialmente,
aboliram-nas em 1969, quando o Fed começou a retirá-las de circulação. Desde então, a cédula de mais alto valor
disponível para o público possui um valor de face de $100. Porém, desde 1969, a política monetária do
Fed fez com que o dólar se depreciasse em mais de 80%, de modo que uma cédula
de US$100 em 2010 possuía o mesmo poder de compra que US$16,83 em 1969. Ou seja, US$100 em 2010 compravam menos que
US$20 em 1969!
Não
obstante esta enorme depreciação, o Fed tem resolutamente se recusado a emitir
cédulas de denominação mais alta. Isto
fez com que as transações com dinheiro vivo nos EUA se tornassem extremamente
inconvenientes, obrigando o público americano a utilizar métodos eletrônicos de
pagamento em uma escala muito acima da ótima.
Mas é claro que esta é exatamente a intenção do governo americano. O propósito de sua contínua e crônica
violação de antigas leis sobre privacidade financeira é fazer com que seja mais
fácil monitorar as movimentações econômicas de seus cidadãos e abolir sua
privacidade financeira, e tudo pretensamente para garantir sua segurança contra
barões das drogas da Colômbia, agentes da Al Qaeda, sonegadores de impostos e
outros nefastos criminosos do colarinho branco.
No
entanto, parece que a guerra contra o dinheiro agora já começou a se espalhar
para outros países. Como noticiado
há alguns meses, a Itália reduziu o valor máximo permitido para transações em
dinheiro vivo de €2.500 para €1.000. O
governo italiano certamente teria preferido estipular um limite máximo de €500
ou até mesmo de €300, mas ponderou que deveria conceder aos italianos algum
tempo para se ajustarem ao novo limite.
A justificativa para a imposição deste limite no valor das transações em
dinheiro vivo é o fato de que o perdulário governo italiano está tentando reduzir
sua dívida de €1,9 trilhão, e considera que suas medidas antidinheiro são a
melhor maneira de se combater a evasão de impostos, cujos "custos" o governo
estima em €150 bilhões por ano.
A
devassidão da classe política italiana contrasta acentuadamente com a
frugalidade dos italianos em geral, que são os consumidores menos endividados
da zona do euro, além de estarem entre seus maiores poupadores. A frequência com que os cidadãos italianos
utilizam seus cartões de crédito é extremamente baixa em comparação aos
cidadãos das outras nações da zona do euro.
O dinheiro em espécie está tão profundamente arraigado na cultura
italiana, que mais de 7,5 milhões de italianos nem sequer possuem contas
bancárias. No entanto, estes italianos
"sem bancos" serão agora obrigados a entrar no sistema bancário, e tudo para
que o notoriamente corrupto governo italiano possa mais facilmente bisbilhotar
suas atividades econômicas e invadir sua privacidade financeira. É claro que os bancos italianos, que cobram
2% sobre as transações com cartão de crédito e impõem tarifas sobre
contas-correntes, irão obter fartos lucros com esta lei. Como corretamente observou o controverso
ex-primeiro-ministro Berlusconi, "Há um enorme risco de isso se transformar em
um estado policial fiscal". De fato, é
só olhar para os Estados Unidos de hoje para ver o que está à espera dos
cidadãos italianos.
Enquanto
isso, a guerra
contra o dinheiro na Suécia também segue acelerada, embora lá o
envolvimento do estado seja menos evidente.
Nas cidades suecas, dinheiro vivo não mais é aceito nos ônibus públicos;
os bilhetes têm de ser comprados ou antecipadamente ou por meio de uma mensagem
de texto via celular. Várias pequenas
empresas recusam dinheiro vivo, e algumas operações bancárias pararam
completamente de manusear dinheiro. Com
efeito, em algumas cidades da Suécia não mais é possível utilizar absolutamente
nenhum dinheiro em um banco. Até mesmo
as igrejas começaram a facilitar doações eletrônicas de seus fieis instalando
leitores eletrônicos de cartões.
Transações em dinheiro vivo representam apenas 3% da economia sueca, ao
passo que respondem por 9% da economia da zona do euro e 7% da economia
americana.
Um
proeminente defensor do movimento antidinheiro é ninguém menos que Björn
Ulvaeus, ex-membro do grupo musical ABBA. O excêntrico pop star, cujo filho já foi assaltado três vezes, acredita que um
mundo sem dinheiro vivo traria uma maior segurança para o público. Já outros, um pouco mais perceptivos que Ulvaeus, apontam para outra
suposta vantagem das transações eletrônicas: elas deixam um rastro digital que
pode ser prontamente seguido pelo estado.
Assim, ao contrário de países que possuem uma forte cultura em prol do
dinheiro vivo, como Grécia e Itália, a Suécia possui uma incidência muito baixa
de suborno. Como nos instrui um
"especialista" em economia informal: "Se as pessoas utilizam mais cartões, elas
se envolvem menos em atividades econômicas obscuras". Em outras palavras, se as pessoas utilizam
menos dinheiro vivo, elas não mais podem esconder sua suada renda em locais
onde ela não pode ser pilhada pelo estado.
O
vice-presidente do Banco Central da Suécia, Lars Nyberg, antes de se aposentar ano passado, regozijou-se
dizendo que o dinheiro irá sobreviver "como um crocodilo forçado a ver seu
habitat sendo gradualmente reduzido".
Porém, nem todos na Suécia estão celebrando o destronamento do dinheiro. O presidente da Organização Nacional dos
Pensionistas da Suécia afirma que as pessoas mais velhas e que moram em áreas
rurais não possuem cartão de débito e de crédito; e as poucas que possuem não
sabem como utilizá-los para sacar dinheiro.
Oscar Swartz, fundador do primeiro provedor de internet da Suécia e um
entusiasta da abolição do dinheiro vivo, argumenta em prol da adoção de métodos
de pagamento anônimo dizendo que, sem eles, as pessoas que transferem dinheiro
e fazem doações para várias organizações podem ser "rastreadas todas as
vezes". Só que o que o sincero, porém
ignorante, senhor Swartz não percebe é que este é exatamente o objetivo de uma
economia sem dinheiro vivo — tornar os mais íntimos assuntos econômicos dos
cidadãos transparentes para o estado e seus apparatchiks fiscais e monetários, sendo
que estes odeiam e morrem de medo de sua própria transparência como vampiros em
relação à luz do sol.
E
há também os benefícios que serão colhidos pelo sistema bancário protegido e
privilegiado pelo governo em decorrência da morte do dinheiro. Um pequeno empreendedor sueco habilmente
constatou esta conexão. Ao passo que ele
é cobrado 5 coroas (R$1,35) para cada transação feita com cartão de crédito,
ele é impedido por lei de repassar este custo para seus clientes. Em suas palavras, "Para eles (os bancos), é
uma ótima maneira de ganhar muito dinheiro.
É a isso que tudo se resume: eles terem lucros enormes."
Felizmente,
o livre mercado fornece a possibilidade de uma fuga deste onipresente estado policial
fiscal que busca erradicar o uso do dinheiro por meio tanto da depreciação
inflacionária feita pelo banco central (em conjunto com denominações
inalteradas do valor de face das cédulas) quanto da limitação direta legal
sobre o valor das transações em
dinheiro. Como Carl
Menger, fundador da Escola Austríaca de economia, explicou há mais de 140 anos,
o dinheiro surge na economia não por meio de decretos governamentais, mas sim
por meio de um processo de mercado conduzido pelas ações de indivíduos que
continuamente buscam meios de realizar suas trocas econômicas da maneira mais
eficiente possível. Frequentemente, a
história nos fornece exemplos que ilustram esta constatação de Menger. A utilização de ovelhas, água engarrafada e
cigarros como meio de troca nos vilarejos rurais do Iraque após a invasão
americana e subsequente colapso do dinar é um exemplo recente. Outro exemplo foi a Argentina após o colapso do peso, quando
contratos de cereais (para trigo, soja, milho e sorgo) precificados em dólares
eram regularmente trocados por itens valiosos como automóveis, caminhões e
equipamentos agrícolas. Com efeito,
agricultores argentinos começaram a estocar cereais em seus silos como maneira
de se proteger da depreciação do peso. O
entesouramento de dinheiro depreciado foi substituído pela estocagem de grãos.
Como
tem sido amplamente noticiado
pela mídia americana recentemente, um inesperado surto criminoso rapidamente se
difundiu por todo o país, surpreendendo todos os departamentos de polícia
locais. O roubo do sabão líquido de
lavar roupas da marca Tide se tornou uma pandemia em várias cidades dos
EUA. Um sujeito sozinho roubou o
equivalente a US$25.000 de sabão líquido Tide durante um período de 15 meses. Várias redes varejistas estão adotando
medidas especiais de segurança para proteger seus estoques de Tide. Por exemplo, a CVS (rede de farmácia)
passou a vender Tide separadamente, colocando o produto junto àqueles itens que
são rotineiramente alvo de furtos, como remédios contra gripe, e que por isso
ficam atrás do balcão. O preço do Tide
líquido varia entre US$10 e US$20 por garrafa no varejo, ao passo que no
mercado negro seu preço está entre US$5 e US$10. Como as embalagens de Tide não possuem
números de série, é impossível rastreá-las.
Sendo assim, alguns ladrões com tino empreendedorial estão fazendo
arbitragem, comprando no mercado negro e revendendo para lojas varejistas,
presumivelmente a preço de atacado.
Ainda mais enigmático é o fato de que nenhuma outra marca de sabão
líquido tem sido alvo de ataques.
Portanto,
qual a explicação? Este fenômeno é
apenas mais uma confirmação da constatação de Menger de que o mercado reage à
ausência de uma moeda forte monetizando mercadorias altamente
comercializáveis. Está claro que o Tide
surgiu como uma moeda local para auxiliar transações no mercado negro,
especialmente transações envolvendo drogas — mas também transações legais em
áreas de baixa renda. De fato, relatos
policiais afirmam que o Tide está sendo trocado por heroína e metanfetamina, e que
traficantes possuem vastos estoques do sabão líquido, os quais eles também
estão dispostos a revender. Mas por que
um sabão líquido de lavar roupas está sendo empregado como dinheiro, e por que
o Tide em particular?
Menger
identificou as qualidades que uma mercadoria deve possuir para se transformar
em um meio de troca. O Tide possui a
maioria destas qualidades e em ampla medida.
Para que uma mercadoria se transforme em dinheiro em uma economia em que
predomina o escambo, ela tem de ser amplamente utilizada, prontamente
reconhecível e durável. Ela também tem
de ter uma razão valor/peso relativamente alta, de modo que ela possa ser
facilmente transportada. O Tide é a mais
popular marca de sabão de lavar roupa e é amplamente utilizado por todos os
grupos socioeconômicos. O Tide também é
facilmente reconhecido por causa de sua inconfundível embalagem laranja com seu
logotipo circular colorido e brilhante. Sabão
de lavar roupa também pode ser estocado por longos períodos sem perder a
qualidade e a eficácia. É verdade que o
Tide é um tanto volumoso e inconveniente para ser transportado à mão em grandes
quantidades; porém, uma quantidade suficiente pode ser carregada na mão ou em
um carrinho de compras para transações pequenas, ao passo que quantidades
maiores podem ser facilmente transportadas e transferidas utilizando-se
automóveis.
Assim
como a enormemente propagandeada guerra contra as drogas que os governos têm
promovido — e perdido — por décadas, eles também estão condenados a perder
sua sub-reptícia guerra contra o dinheiro, pois o livre mercado pode e irá
responder à demanda dos cidadãos comuns por uma moeda confiável e conveniente.