quarta-feira, 13 abr 2022
De
2003 a 2018, os funcionários públicos tiveram aumentos salariais reais de 53%.
Ou seja, os salários nominais subiram 53% acima da inflação de preços acumulada
no período. O rendimento médio mensal na iniciativa privada é de R$ 1,96 mil. Já
o do funcionalismo federal chega a R$ 11,84 mil. (Fonte).
Ainda
segundo este estudo do Ministério da Economia:
Houve um crescimento de 34% no
número de funcionários ativos do Poder Executivo de 2003 a 2018, de 532 mil
para 712 mil. Ao mesmo tempo, os servidores tiveram um ganho real (acima da
inflação) de 53%, em média, nos salários no mesmo período, com impacto perverso
nas contas públicas.
A média, porém, mascara os
benefícios polpudos recebidos em certas carreiras e cargos. Segundo o estudo, o
aumento real superou os 200% em várias funções e houve um caso em que o salto
alcançou 311% em termos reais.
Mesmo
assim, é recorrente lermos notícias
do tipo "sindicatos de servidores exigem reposições (aumentos) reais nos
vencimentos". Recentemente, li uma notícia que me chamou muito a atenção: um
sindicato de servidores do executivo pedia um aumento de cerca de 40% de
salário e uma redução da jornada de trabalho de 8 horas diárias para 6 horas
diárias. Embora um tanto quanto exigente demais, pedidos como esses vindos de
sindicatos de funcionários públicos não são nada incomuns. E, em muitas das
vezes, o governo
cede às pressões.
Estabilidade permite pressão
Em
tese, a estabilidade no serviço público existe para proteger os funcionários de
pressões externas no exercício de suas funções. Sendo assim, o funcionário pode
desempenhar seu papel com a garantia de que, caso seus atos desagradem alguém,
esse alguém não conseguirá tirá-lo do serviço ou sofrer ameaças. Seria uma
espécie de separação entre estado e governo; uma garantia de que, com uma
mudança de governo, não haverá mudança de servidores, de modo que o serviço
poderá ser exercido de forma contínua, o que traria benefícios à administração
pública.
Muito
embora nem todos os funcionários públicos desempenhem funções que necessitam
dessa proteção, vamos deixar este assunto para outra oportunidade.
Quanto
à forma de entrada, ela acontece por meio de concursos públicos.
Hely
Lopes Meirelles pontua o seguinte sobre o assunto:
O concurso público é o meio técnico
posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade,
eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar
igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei,
consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os
ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo
degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e
se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.
Mas
o que vem acontecendo nos últimos anos, como comprova a notícia do início deste
artigo, é que os funcionários públicos utilizam dessa própria estabilidade para
pressionar o governo por aumentos em suas remunerações, bem como por maiores
benefícios.
No
mercado de trabalho normal, para um empregado ter
um aumento real em sua remuneração ele tem de produzir
mais valor para seu empregador para justificar esse aumento. É de se
imaginar que a mesma lógica deveria ser aplicada ao serviço público, mas isso é
impossível de ocorrer, pois é impossível
mensurar a produtividade e a criação de valor de um funcionário público.
No
entanto, isso ainda é o de menos. O problema é outro. E bem maior.
Por que pedir aumentos reais atenta
contra a lógica
Em
um arranjo econômico minimamente ético e moral, os servidores não poderiam ter
um aumento real, pois, para começar, entraram voluntariamente via concurso
público — ou seja, aceitaram voluntariamente o valor inicial acordado — e
possuem um privilégio unilateral, que é o da estabilidade no emprego.
Mas,
com as pressões por aumentos salariais reais, na prática o que ocorre é que o estado
se compromete a nunca demitir esse funcionário, mas o funcionário não se
compromete a fornecer seu trabalho pelo valor previamente acordado.
Vamos
imaginar o seguinte cenário: uma empresa oferece dez mil reais de salário para
contratar um bom advogado. Vários profissionais interessados na vaga irão
enviar seus currículos, e a empresa contratará, a princípio, o melhor
funcionário com base em todos os currículos enviados.
Mas
vários profissionais não terão interesse
nesta vaga, pois acreditam que a remuneração oferecida não é interessante,
dentre outros fatores.
Assim,
após a contratação do novo advogado, ele deverá desempenhar um que justifique
essa remuneração; caso contrário, será demitido e a empresa procurará outro
profissional.
Se
acontecer de muitos advogados, com produtividade parecida a este que foi
contratado, continuarem interessados em trabalhar, mas por um salário menor —
de, por exemplo, oito mil reais —, eles farão pressão para ocuparem o lugar do
novo advogado.
O
advogado, tendo ciência disso, sequer tentará pedir por um aumento real.
Já
no serviço público, por outro lado, as coisas funcionam de uma forma um tanto
quanto diferente.
Suponha
que a administração pública queira contratar um novo advogado e abra um
concurso público para o preenchimento de uma vaga. É divulgado o concurso e, em
vez de análises curriculares e processos seletivos, é realizado um concurso com
base em provas e títulos, no qual a intenção é encontrar o melhor candidato ou
o que melhor se saiu na prova.
Vamos
presumir que quem foi aprovado seja de fato o melhor advogado. Ato contínuo,
após a realização do concurso, é feita uma espécie de contrato no qual a
administração compromete-se a pagar a remuneração oferecida no edital de
abertura do concurso e a nunca demiti-lo, a não ser que cometa infração grave
prevista em lei.
Da
mesma forma que no mercado privado, vários
outros advogados não tiveram interesse por esta vaga por acreditarem que,
devido à remuneração ofertada, o concurso público, a preparação e o cargo não
compensavam o esforço.
A
administração pública, portanto, fica obrigada a manter esse advogado para
sempre em seu quadro de servidores e, para isso, ela espera ter feito a melhor
contratação possível com base no salário ofertado e nos interessados (vamos
presumir que as provas de fato escolham o melhor advogado dentre todos os
concorrentes e que o advogado mantenha a sua produtividade).
Tendo
este cenário, o que acontecerá quando esse funcionário público, já estável no
serviço público, obtém um aumento real de seu salário, o qual veio por meio de
uma pressão por parte dos sindicatos?
Acontece
o óbvio: os pagadores de impostos foram prejudicados. Se a remuneração do cargo
subiu de 10 mil reais para 14 mil reais, então, na época do concurso público, a
administração pública saiu no prejuízo, pois contratou um advogado de 10 mil
reais pelo preço de 14 mil reais. Outros advogados melhores, que poderiam ficar
interessados pelo subsídio de 14 mil reais, não prestaram o concurso ou não
assumiram, e, por consequência, não compõem o quadro de servidores.
Poderíamos
pensar também que um mesmo advogado possa ter prestado dois concursos
diferentes, um com uma remuneração de 10 mil reais e outro com a remuneração de
12 mil reais, logrando êxito nos dois certames, tendo então preferido assumir o
cargo que pagaria os doze mil reais. Os pagadores de impostos, neste caso, também
saíram no prejuízo, pois está tendo de bancar um funcionário público que está
hoje recebendo mais do que realmente provou ser capaz de produzir frente aos
outros candidatos na época do concurso público.
Ou
seja, os pagadores de impostos foram prejudicados em qualquer cenário, pois não
têm o mercado de trabalho e a concorrência para lhe protegerem.
A
conclusão é que os funcionários públicos, ao passarem pelo processo de seleção,
adquirem um benefício que não existe de nenhuma outra maneira em nenhum outro
tipo de relação, seja ela trabalhista ou comercial, que é o de ter a garantia
da estabilidade de seu cargo e a remuneração desconectada de sua real produção.
Isso,
obviamente, deixa seu empregador — os pagadores de impostos — em uma posição
desfavorável, refém financeiramente dos próprios funcionários que fazem
pressões contínuas por aumentos reais sem contrapartida produtiva. O governo
cede a essas pressões aumentando benefícios e remunerações que hoje equivalem
a 13% do PIB (em todas as esferas de governo), o que, obviamente, se
reflete na carga tributária.
Conclusão
Mesmo
na mais benéfica e otimista das hipóteses – a saber, que os funcionários
públicos são realmente pessoas trabalhadoras, dedicadas e que se importam com o
bem do povo —, a idéia de exigir aumentos reais não apenas não se sustenta sob
nenhuma lógica, como ainda é anti-ética e imoral.
Já
no mundo real tudo é ainda pior, e temos o seguinte cenário: pouca eficiência
por parte da máquina pública no oferecimento dos serviços públicos, salários
muito acima do real valor de mercado, constantes aumentos, privilégios
nababescos e emprego garantido até o fim da vida para essas pessoas.
E
tudo isso bancado por nós, os pagadores de impostos, que compulsoriamente temos
de arcar com todo esse atual arranjo de receber serviços públicos ruins pagando
cada vez mais caro.
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