"Para mostrar que algo é uma meia-verdade, temos de
recorrer a longas e áridas dissertações"
— Frédéric Bastiat
Ainda é bastante dominante a idéia de que patrões
estão, de alguma forma, explorando os empregados que trabalham para eles quando
sua empresa aufere um lucro.
Curiosamente, logo de início já se ignora o fato de
que o patrão está claramente fazendo mais pelas finanças dos empregados do que todas as outras pessoas que criticam o
arranjo mas que não estão dando
emprego a ninguém — postura essa muito comum entre aqueles "guerreiros
sociais da internet", que afirmam que dar emprego a alguém significa explorá-lo.
É verdade que trabalhadores recebem como salário menos
que o valor total daquilo que eles produzem, mas é assim porque aquilo que eles
produzem foi:
a) feito com recursos que tiveram de ser comprados
pelos patrões capitalistas,
b) em uma fábrica, indústria ou local de trabalho
que teve um custo para ser construído e que requer várias despesas para ser
operado;
c) e com o capitalista sendo também responsável por bancar os
custos de anunciar, propagandear e comercializar o produto fabricado, com o
intuito de conectar o produto aos consumidores potenciais.
E, no final,
d) se o produto não vender, todos aqueles que
trabalharam em sua fabricação já foram pagos, exceto o capitalista, que arca
com os prejuízos.
Em termos práticos, houve uma volumosa quantia de
dinheiro investido naquela fábrica ou local de trabalho, dinheiro este que não será
recuperado tão cedo. Todos os gastos investidos na construção do local de
trabalho, na compra de bens de capital, e na contratação de mão-de-obra ainda
não foram recuperados pelo capitalista.
Uma empresa que investe, suponhamos, $10 bilhões — na
construção da fábrica, comprando maquinários e pagando os salários dos
trabalhadores — com o intuito de recuperar, na forma de fluxo de caixa anual,
aproximadamente $1 bilhão (10% de retorno), terá de esperar 10 anos apenas para
recuperar todo o capital adiantado (fora a inflação do período).
Neste caso, o capitalista se endividou em $10 bilhões (ou, caso seja
capital próprio, ele abriu mão deste valor e seu equivalente em bens de consumo
que ele poderia ter adquirido no presente) para receber, anualmente, uma
receita de $1 bilhão.
Ele age assim porque acredita que será capaz de
atender aos desejos e necessidades das pessoas (consumidores) de uma maneira
melhor do que elas estão sendo atendidas no presente. Tal atitude requer uma
habilidade e uma competência que, por si sós, representam uma contribuição trabalhista
acima daquela dos empregados. Estas características são exclusivas de um
empreendedor.
Se sua visão estiver correta, ele auferirá lucros
futuros. Se estiver errado, ele irá arcar com prejuízos.
Vale ressaltar que, ao agir assim, ou seja, se
endividando ou colocando seu próprio capital em risco, ele está incorrendo em
um risco que pode ser considerado desnecessário. Afinal, não fosse a busca pelo
lucro, o rico capitalista poderia simplesmente comprar uma casa maior ou sair
em um cruzeiro. No entanto, o capitalista assume
um risco agora, e abre mão do consumo presente, na esperança de que irá
obter um benefício no futuro. Isso é uma parte da sua remuneração.
Outra parte da sua remuneração é o tempo entre o
investimento feito e as receitas trazidas por esse investimento. Tudo o mais
constante, se tivermos de escolher entre ter recursos agora, no presente
imediato, ou apenas a hipótese de ter esses mesmos recursos apenas no futuro, é
claro que ficamos com a primeira opção, pois o futuro é incerto. É por isso que
emprestadores de dinheiro (capitalistas) cobram juros no dinheiro que
emprestam: eles estão abrindo mão da certeza do consumo presente pela hipótese de
um consumo maior no futuro. Não há certeza nenhuma; apenas expectativas.
Já os trabalhadores recebem seus salários hoje,
independentemente de como serão os lucros futuros dos capitalistas (com efeito,
eles são pagos hoje mesmo se não houver lucros futuros).
Ou seja, os trabalhadores são pagos hoje, já o
capitalista será remunerado:
a) apenas no
futuro,
b) apenas se o produto fabricado for vendido, e
c) apenas se ele for vendido com lucro — isto é, se
for vendido a um preço maior do que os custos de fabricação, o que inclui os salários dos trabalhadores.
O economista austríaco Eugen
von Böhm-Bawerk explicou que, ao contrário de explorar os trabalhadores, o
capitalista remove dos trabalhadores o fardo de ter de esperar pela renda. Se os
trabalhadores quisessem produzir bens por conta própria, eles teriam de esperar
até encontrar um comprador que lhes garantisse um salário estável.
Mais ainda: eles primeiro teriam de poupar (ou então
se endividar) para acumular os recursos necessários para comprar uma fábrica ou
construir um local de trabalho sem a ajuda do capitalista.
O
capital aumenta o valor do trabalho
Vale também mencionar que o capitalista aumenta o valor da mão-de-obra do
trabalhador.
Se um indivíduo decidir tentar fazer no campo o
mesmo trabalho que faria em uma fábrica especializada, ele dificilmente terá um
produto com a mesma qualidade. Certamente, não terá uma produção com o mesmo
volume, o que significa que suas receitas seriam muito baixas.
O capitalista, portanto, aumenta o valor da
mão-de-obra ao fornecer ao trabalhador as máquinas e ferramentas que aumentam a
qualidade do produto e a quantidade produzida. Não fosse o capital
disponibilizado pelos capitalistas (maquinário, ferramentas, matéria prima,
insumos, instalações etc.), a mão-de-obra não teria como produzir estes bens de
qualidade altamente demandados pelos consumidores. Consequentemente, os
trabalhadores nem sequer teriam renda.
Logo, a conclusão óbvia é que trabalhadores
claramente podem ganhar mais trabalhando para capitalistas do que por conta própria
— caso contrário, todos os trabalhadores iriam simplesmente se declarar autônomos
e daí passariam a ter uma renda maior.
Talvez alguns deles poderiam ganhar mais ao se
tornarem autônomos, mas não querem assumir as responsabilidades concomitantes,
as quais são atualmente arcadas pelo capitalista que os emprega. Isso também é
evidência de que os capitalistas estão acrescentando valor ao trabalho dos
trabalhadores.
Mais-valia e a redução da pobreza
Os marxistas afirmam que os capitalistas exploram os
trabalhadores ao simplesmente extraírem seus lucros dos salários dos
trabalhadores sem estarem fornecendo nenhum valor ao processo produtivo — ou seja,
os capitalistas estariam "extraindo uma mais-valia" dos trabalhadores.
Além de esta idéia ser infundada, como mostrado acima,
vale também dizer que, se ela fosse verdade, organizações sem fins lucrativos rapidamente
entrariam em cena, contratariam todos os trabalhadores, eliminariam o "peso morto"
de se remunerar o capitalista e quebrariam todas as empresas voltadas para o
lucro.
Mas isso não acontece simplesmente porque elas não conseguem.
Os capitalistas estão claramente fornecendo alguma competência ou visão que
beneficia seus empregados. Cada lado se beneficia desta transação mútua, o que
é evidenciado pelo fato de que se o trabalhador pudesse conseguir um arranjo
melhor, ele rapidamente o arrumaria, e se o empregador pudesse arranjar
empregados melhores, ele os contrataria.
Em última instância, os salários não são um número
arbitrário, mas sim um reflexo de quanto valor um empregado é capaz de criar
para os consumidores do seu trabalho (no caso, os consumidores são o
capitalista que paga por sua mão-de-obra, e os clientes que pagam pelo produto
produzido).
Sem os capitalistas, todos teríamos de assumir por completo todo o risco de uma dada atividade. Com os capitalistas, podemos delegar os riscos para aqueles que são mais ambiciosos e mais capacitados para atividades empreendedoras, já sabendo que, no final do mês, receberemos nossos contracheques.
Tal arranjo é infinitamente mais produtivo e eficaz. Em última instância, é ele quem elimina a pobreza.
Para concluir
Se um indivíduo quer abrir mão de ter um patrão e
ficar com 100% das receitas de seu trabalho, ele pode perfeitamente fazê-lo:
basta aprender uma habilidade, desenvolvê-la, acumular capital (ou se
endividar), comprar equipamentos, alugar um local de trabalho, tornar-se autônomo
e encontrar clientes que valorizem seu trabalho ao ponto de lhes providenciarem
uma renda fixa mensal.
Mas aí ele próprio teria de se tornar um
empreendedor capitalista.
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