terça-feira, 22 0aio 2018
Neste exato momento, a maior ameaça ao Ocidente não
é o terrorismo. E nem as "mudanças climáticas". Nem mesmo o Zika vírus. Ou o
Ebola. E muito menos Donald Trump.
A real ameaça é a mudança demográfica.
Eis alguns detalhes preocupantes relatados em uma
matéria do Business Insider.
O
mundo está prestes a vivenciar uma apavorante situação demográfica, a qual será
a primeira na história humana: haverá mais idosos do que crianças. [...]
E
estes dois grupos etários continuarão se movendo em direções opostas: a fatia
da população com idade acima de 65 anos continuará aumentando, ao passo que a fatia
da população com menos de 5 anos de idade continuará caindo.
Com
efeito, de acordo com o Census Bureau, já em 2050, pessoas com 65 anos ou mais
serão 15,6% da população global — mais do que o dobro de crianças com 5 ou
menos anos de idade, as quais serão estimadas em 7,2%.
"Esse
fenômeno demográfico do 'cruzamento' é inédito na história humana", disseram os
autores do estudo.
Eis o gráfico que ilustra a matéria. A linha
vermelha mostra a evolução do percentual de crianças (com menos de 5 anos de
idade) em relação à população global. A linha azul mostra a evolução do
percentual de pessoas com 65 anos ou mais em relação à população global.

Gráfico
1: A linha vermelha mostra a evolução do percentual de crianças (com menos de 5
anos de idade) em relação à população global. A linha azul mostra a evolução do
percentual de pessoas com 65 anos ou mais em relação à população global.
E daí?
E daí que uma fatia crescente de idosos significa
mais gastos governamentais com previdência, saúde e vários outros subsídios
(como remédios), ao passo que uma fatia decrescente de crianças significa menos
futuros pagadores de impostos para bancar todo esse gasto com a seguridade
social.
Vejamos agora
esta coluna de Robert Samuelson no The Washington Post:
Ninguém
pode dizer que não fomos alertados. Durante anos, estudiosos de todas as áreas
— demógrafos, economistas, cientistas políticos — vêm avisando que as
populações dos países mais avançados estão gradualmente envelhecendo, com
dramáticas consequências para a economia e a política. Mas ainda não estamos
dando a devida importância para esse futuro inevitável. [...]
O
problema é simples. Baixas taxas de fecundidade e crescente expectativa de vida
resultam em populações predominantemente mais idosas. Desde 1970, a expectativa
média de vida para uma pessoa com 60 anos de idade nos países da OCDE aumentou
de 18 para 23,4 anos. Em 2050, aumentará para 27,9 anos — ou seja, será de
quase 90 anos de idade.
Os
gastos com a Previdência e com toda a Seguridade Social irão explodir.
E
qual a implicação? A menos que as idades de aposentadoria sejam acentuadamente
elevadas ou os benefícios e pensões sejam profundamente cortados, uma fatia
cada vez maior da renda das pessoas em idade de trabalho terá de ser confiscada
via impostos para bancar as aposentadorias de idosos vivendo cada vez mais. Ou
então o governo terá de efetivamente cortar gastos — algo que nenhum nunca fez
até hoje.
Eis uma tabela deste artigo, a qual mostra a erosão
radical da taxa de "dependência etária" para alguns países. O número indica
quantas pessoas com idade de 65 anos ou mais haverá para cada 100 pessoas com
idade entre 20 e 64 anos.

Tabela
1: evolução da taxa de "dependência etária" para alguns países. O número indica
quantas pessoas com idade de 65 anos ou mais haverá para cada 100 pessoas com
idade entre 20 e 64 anos
Para contextualizar, uma taxa de 13% (o Brasil
atual) significa que, para cada 13 pessoas com mais de 65 anos de idade, há 100
pessoas com idade entre 20 e 64 anos para bancá-la. Em 2050, serão 40 para cada
100.
Em outras palavras, há hoje no Brasil 7,69 pessoas
com idade entre 20 e 64 anos para bancar uma pessoa com 65 anos ou mais de
idade. Em 2050, haverá apenas 2,5 pessoas com idade entre 20 e 64 anos para
bancar uma pessoa com 65 anos ou mais de idade. (E olhe que o Brasil é hoje o
país na melhor situação demográfica.)
Os números gregos e italianos são desalentadores,
mas os do Japão são apavorantes. Também vale notar como a taxa chinesa irá se
deteriorar rapidamente.
Um artigo
na revista New Scientist fez a
seguinte observação sobre essa dramática mudança demográfica:
Será
que a bomba populacional vai explodir da maneira mais inesperada possível? Em
vez de vivenciarmos uma explosão malthusiana, tudo indica que estamos a caminho
de uma implosão demográfica.
Para
descobrir como será esse futuro, vá até o Japão, onde uma recente pesquisa
descobriu que as pessoas estão desistindo do sexo. Apesar de terem uma
expectativa de vida de 85 anos (e crescendo), o número de japoneses está caindo
graças a uma taxa de fecundidade de apenas 1,4 filho por mulher. [...]
Metade
dos países do mundo apresenta uma taxa de fecundidade abaixo da taxa de
reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher. Países da Europa e do Extremo
Oriente estão balançando à beira do penhasco, com taxas de fecundidade abaixo
de 1,5.
Já
Alemanha e Itália, a julgar pela tendência atual, podem ter sua população
reduzida à metade dentro dos próximos 60 anos.
Especificamente sobre o Japão, uma reportagem
da The Week ressaltou a assombrosa
perspectiva demográfica do país.
O
Japão tem um problema sério em mãos: o país está literalmente morrendo. De
acordo com as projeções atuais, em 2060, a população do país já terá encolhido
35%, e as pessoas com mais de 65 anos de idade serão 40% da população total.
Atualmente, o país já está vendendo mais
fraldas geriátricas do que fraldas infantis. Dizer que isso é insustentável
seria um eufemismo. O país está simplesmente morrendo. [...]
A
demografia não é um fenômeno irreversível, é claro, mas não há nenhuma
indicação de uma reversão na tendência. [...] O iminente colapso não mais pode
ser negado. E não só no Japão, mas na Alemanha também.
A
extinção de um povo e sua cultura sempre será uma tragédia global. É hora de o
Japão — e o Ocidente — acordarem.
Já essa
reportagem do site Japan Times é ainda mais reveladora:
Uma
pesquisa feita com japoneses entre 18 e 34 anos de idade revelou que
aproximadamente 70% dos homens solteiros e 60% das mulheres solteiras não estão
em um relacionamento. Mais ainda: a maioria deles nunca teve relações íntimas e
nem mesmo vivenciou demonstrações de carinho.
Aproximadamente
42% dos homens e 44% das mulheres admitiram ser virgens. O governo não ficará
satisfeito em saber que a castidade está se tornando um fenômeno tão japonês
quanto o sumô e o saquê.
A
administração do primeiro-ministro Shinzo Abe já falou em estimular as taxas de
fecundidade por meio de subsídios para famílias que tiverem filhos. Mas
enquanto os japoneses não começarem a fazer mais ginástica na cama, não haverá
consequência prática para esses prometidos subsídios. [...]
Um recente
relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
calculou como a taxa de dependência etária irá mudar em vários países membros
da Organização. Em termos diretos, não é bom ter uma linha preta muito alta,
pois ele indica uma alta taxa de dependência etária. As notícias ruins sobre
Itália, Grécia e Japão são confirmadas, mas vale observar que Espanha, Portugal
e Coréia do Sul também estão a caminho de um futuro desalentador. Em termos
simples, os trabalhadores de amanhã terão de lidar com um enorme fardo
tributário.

Figura
2: evolução da taxa de dependência etária para países da OCDE. O losango branco
indica como era em 1975. A barra azul indica como foi em 2015. E a linha preta
com o losango preto indica como será em 2050
Com efeitos, os dados da Coréia do Sul são ainda mais estupefaciente que os do Japão. A taxa de fecundidade no Japão já era baixa em 1960,
sendo ainda mais baixa hoje. Mas os números para a Coréia do Sul são abismais.

Tabela
2: evolução das taxas de fecundidade de Japão e Coréia do Sul, de 1960 a 2015
Permitam-me essa exclamação: Uau!
Perante esses números, fica mais fácil entender essa
bizarra história recém-noticiada sobre a Coréia do Sul:
Estudantes
de duas universidades sul-coreanas estão cursando matérias em que é obrigatório
namorar seus colegas. Trata-se de uma medida adotada por um país que luta para
reverter uma das menores taxas de fecundidade do mundo.
As
universidades Dongguk e Kyung Hee, em Seoul, afirmam que os cursos sobre
namoro, sexo, amor e relacionamento têm como alvo uma geração que está evitando
a vida familiar tradicional. [...] Disse ela: "A redução populacional da Coréia
do Sul fez com que namoro e casamento se tornassem atos essenciais para a nossa
sobrevivência futura, mas os jovens coreanos estão muito ocupados hoje em dia e
são desajeitados demais para fazer novas amizades".
Como
parte do curso, os estudantes têm de namorar três colegas durante um mês. [...]
Seoul já gastou aproximadamente £50 bilhões tentando impulsionar as taxas de
fecundidade.
Não sei exatamente qual é a parte mais bizarra do
artigo: a parte sobre você ser obrigado a namorar suas colegas como parte do
dever de casa (você ganha pontos extras se a garota engravidar?) ou a parte sobre
o governo já ter gasto 50 bilhões de libras (aproximadamente 70 bilhões de dólares)
para tentar estimular a gravidez.
Impossível
tudo se manter
Eis o resumo: em todo o mundo, as pessoas viverão
cada vez mais (o que é uma boa notícia), mas terão cada vez menos filhos. Como
os bebês de hoje são os pagadores de impostos de amanhã, a base tributária
necessária para bancar pensões e seguridade social dos idosos do futuro (o que
inclui você) simplesmente está encolhendo.
Os modelos de estado de bem-estar foram criados majoritariamente
na década de 1960, uma época em que se imaginava que a pirâmide etária
sempre seria gorda na base (muitas crianças e jovens) e fina no topo (poucos
idosos).
Sob esse arranjo, imaginou-se que sempre haveria
relativamente poucos idosos (que recebem dinheiro da Previdência e da
Seguridade Social), muitos trabalhadores (também conhecidos como "pagadores de
impostos") e várias crianças (futuros pagadores de impostos).
Naquele mundo, um estado de bem-estar, embora não fosse uma boa
ideia economicamente, ao menos era matematicamente sustentável.
Hoje, em contraste, esse mesmo arranjo já se tornou
problemático, pois estamos vivendo mais e tendo menos filhos.
E, no futuro, se tudo continuar como está, a tendência
é vivenciarmos uma crise
fiscal de estilo grego, pois a demografia será ainda menos favorável. Para ser
bem direto: não haverá pessoas o bastante para empurrar o vagão em relação à
massa de pessoas dentro do vagão.
Conclusão
No final, isso não é nem uma questão ideológica ou
econômica, mas sim puramente matemática: uma população crescente tem um número
suficiente de pessoas trabalhando para sustentar os idosos. Já uma
população declinante simplesmente não terá mão-de-obra jovem para pagar a
aposentadoria desses idosos.
Uma coisa é você ter 10 pessoas trabalhando para
pagar a Previdência de um aposentado; outra coisa é você ter apenas duas
pessoas (ou uma) trabalhando para pagar a Previdência desse mesmo
aposentado. Ou esses dois trabalhadores terão de ser tributados ainda mais
pesadamente para sustentar o aposentado, ou o aposentado simplesmente receberá
menos (bem menos) do que lhe foi prometido.
Alguém terá de ceder.
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Leia também:
Uma proposta para uma reforma definitiva da Previdência