segunda-feira, 11 0aio 2020
Nota
do Editor
Robert Nozick, o grande filósofo de Harvard, ao
comentar sobre os tributos, disse que essa nada mais era do que uma 'forma
direta de trabalho forçado'. Com efeito, qual a diferença entre você
confiscar os frutos de cinco meses de trabalho de uma pessoa (como
ocorre hoje no Brasil) ou simplesmente tomar cinco meses da vida dessa
pessoa? Para ele, isso tinha apenas um nome: trabalho forçado.
Para ilustrar esse ponto mais incisivamente, Nozick
criou aquilo que ele viria a chamar de O Conto do Escravo. Nesse
conto, Nozick convida o leitor a se imaginar como sendo o escravo da história. A
história é bem curta e se desenvolve ao longo de 9 estágios, que vão desde a
escravidão clássica até a democracia moderna.
No entanto, o brilhantismo desse conto de Nozick é que ele não se restringe apenas aos tributos. Ele vale para todo e qualquer decreto estatal ao qual o indivíduo está coercivamente submetido, mesmo não tendo esse indivíduo dado qualquer consentimento ao governo "democrático" sob o qual vive, de qualquer esfera.
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Considere a seguinte sequência, a qual iremos chamar
de O Conto do Escravo, e imagine que ela é sobre você.
Primeiro
estágio: Você é um escravo completamente submisso a seu
violento e brutal mestre, que lhe obriga a trabalhar para ele, sem horas de
descanso. Você apanha diária e arbitrariamente e, além de sua jornada
diária, é frequentemente chamado no meio da noite para fazer todos os tipos de serviços.
Segundo
estágio: O mestre relaxa um pouco e passa a lhe surrar somente
quando você quebra as regras (como não cumprir a cota de trabalho, não atender prontamente
a um chamado etc.). Ele até lhe concede algum tempo de descanso.
Terceiro
estágio: Você agora se torna parte de um grupo de 10.000
escravos igualmente sujeitos a esse mestre. Ele decide, de acordo com seus
princípios, como irá repartir entre vocês escravos parte dos bens que vocês
próprios produziram, levando em conta as necessidades e os esforços de cada
escravo.
Quarto
estágio: O mestre, agora mais brando, exige que você e os
demais escravos trabalhem para ele apenas três dias por semana, concedendo os
quatro dias restantes de folga.
Quinto
estágio: O mestre agora permite que vocês escravos trabalhem
onde quiserem, podendo inclusive trabalhar na cidade em troca de um salário. Mas
há uma condição: vocês escravos têm de entregar ao mestre 3/7 de seu salário (aproximadamente
40% da sua renda), o que corresponde aos três dias de trabalho da semana que eram
obrigados a efetuar na terra dele. Além disso, o mestre retém o direito de
convocar seus escravos para servi-lo sempre que ele quiser, e continua com o
poder de aumentar arbitrariamente a fatia do seu salário que ele pode
confiscar.
Sexto
estágio: O mestre concede a todos os seus 10.000
escravos, exceto você, o direito de votar. Eles agora têm o
poder de decidir entre eles o que você pode fazer e o que você não pode fazer; quais
atividades são lícitas e quais são proibidas. Eles também ganham o poder de
determinar qual porção do seu salário será confiscado e onde esse dinheiro será
gasto.
Façamos uma pausa aqui para apreciar melhor o que
está acontecendo. Seu mestre
fez uma transferência de poder. Houve uma mudança de mestres. Você
agora possui 10.000 mestres em vez de apenas um. Há uma chance de que estes
novos 10.000 mestres sejam mais gentis e benevolentes. Mas, ainda assim, eles são
os seus mestres.
Sétimo
estágio: Embora você ainda não tenha o direito de votar, você
agora tem a permissão de tentar influenciar aqueles 10.000 que podem votar. Você
pode tentar persuadi-los a adotar políticas, a exercer seus poderes de
determinada maneira e a tratar você melhor. Ato contínuo, eles votarão para
decidir quais políticas adotar. Você continua tendo uma fatia da sua renda
confiscada e continua proibido de efetuar determinadas atividades.
Oitavo
estágio: Em reconhecimento por suas úteis contribuições ao
debate, os 10.000 concedem a você o direito de votar, mas apenas caso haja um impasse na votação. Você escreve o seu
voto e, apenas caso haja um empate na eleição, o seu voto é considerado como
critério de desempate. Ou seja, na eventualidade de que haja uma perfeita discordância
em um quesito — ou seja, 5.000 são contra e 5.000 são a favor —, eles consideram
o seu voto como desempate. Nenhum empate jamais ocorreu.
Nono
estágio: Você finalmente adquire o direito irrestrito de
votar junto com os 10.000. Em termos práticos, isso significa apenas que,
assim como no oitavo estágio, o seu voto realmente valerá apenas caso haja
algum empate. Mas, como nunca houve um empate, seu voto não faz nenhuma diferença
no resultado eleitoral final.
A pergunta a ser feita é: em que momento, entre o
primeiro e o nono estágio, essa história deixou de ser o conto de um
escravo? Em que momento você, o escravo, tornou-se realmente livre?