Em um país com 12
milhões de desempregados, até mesmo o governo parece ter se dado
conta de que alguma flexibilização das leis trabalhistas, a fim de manter
empregos e retomar o crescimento econômico, é necessária. No entanto, a verdade
é que o sistema trabalhista como um todo deve ser repensado, o que inclui a
legislação (CLT) e a própria Justiça do Trabalho.
Já foi amplamente demonstrado como a política de valorização do
salário mínimo, o FGTS e o imposto sindical
paradoxalmente prejudicam os trabalhadores, sobretudo os menos qualificados.
Curiosamente, essas temáticas são um verdadeiro tabu no Brasil: na
menor sinalização de reforma, grupos de pressão se movimentam para
inviabilizarem a proposta.
Como consequência, a racionalização desse debate se
torna impraticável. E mesmo os pontos que merecem maior atenção acabam por cair
no esquecimento ou passam a ser ignorados.
Leis como a CLT morreram para o mundo,
exceto no Brasil
A origem da Legislação Trabalhista brasileira está
na Carta del Lavoro, do direito italiano, vigente no período
em que Mussolini comandou o país. Sim, é verdade que ela influenciou a
legislação trabalhista de diversos países, mas o Brasil foi um dos poucos a
manter o diploma legal fascista depois da segunda guerra mundial, como sustenta Arion Sayão Romita, na
obra O Fascismo no Direito do Trabalho Brasileiro:
O
regime corporativo desapareceu da Itália, em Portugal, na Espanha... A nova
organização democrática desses países revogou toda a legislação corporativa,
eliminou todos os institutos criados pelo regime anterior; todavia, isto não se
deu no Brasil, apesar da alteração dos rumos políticos, ocorrida em 1945. Sem
dúvida, o regime corporativo é incompatível com a democracia.
A diferença entre o custo total da empresa com o
trabalhador e o valor total do contrato de trabalho recebido por esse
trabalhador é chamada de "custo da legislação trabalhista". Segundo a
Fundação Getúlio Vargas, o custo dela no Brasil pode representar até
48% do custo de um empregado, mas há outros estudos, menos
conservadores, que estimam até 102%. E há um da FGV que fala em até 183%.
Neste último caso, para vínculos empregatícios de 12 meses,
se o trabalhador recebe um salário de R$ 1.000, o seu empregador está desembolsando
R$ 2.830 para poder manter esse funcionário. Considerando o salário mínimo de 2017, de R$ 937, o
empregador precisa pagar R$ 2.651. E isso quer dizer que, para compensar sua
contratação, o trabalhador precisa de uma produtividade de, no mínimo, R$ 2.651
para poder trabalhar sob um contrato à luz da lei.
Ou seja: o trabalho formal no Brasil é muito caro.
Como consequência, temos que, das 90 milhões de pessoas que integram a
população economicamente ativa no Brasil, apenas 34 milhões têm carteira assinada.
Por outro lado, 10 milhões de trabalhadores estão no mercado
informal (dados mais abrangentes falam de 44
milhões). E o mercado informal já não consegue mais absorver o enorme contingente
de desempregados diante da maior recessão da história
brasileira.
Vale lembrar que esses trabalhadores, que foram
empurrados para a informalidade exatamente por causa dos custos trabalhistas
criados pelo estado para protegê-los, não estão amparados por essa mesma
seguridade social.
Ainda sobre isso, vale ressaltar um estudo que analisou as leis trabalhistas em 73 países e concluiu que o desemprego na Itália cairia para 5% caso adotasse uma legislação mais flexível, como a dos Estados Unidos. Isso ocorre porque a legislação aumenta os custos de contratação, incentivando o mercado informal de trabalho.
A
Justiça do Trabalho incentiva mais processos
A estrutura do sistema processual do trabalho traz
ainda mais incentivos à litigância em um país que já conta com mais de 100
milhões de processos em tramitação.
Por exemplo: não há o instituto da sucumbência
(princípio que estabelece que a parte que perdeu a ação efetue o pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios da parte vencedora). Consequentemente,
tal ausência faz com que o reclamante possa ajuizar uma reclamação com dezenas
de pedidos, mesmo que alguns não tenham fundamento nenhum. E sem custos.
Outra questão processual é que a prescrição da Justiça
do Trabalho é considerada alta demais. Assim, algum tempo após seu desligamento
da empresa, não raramente, o empregado — apesar de encerrar suas atividades
laborais satisfeito — apresenta uma reclamação visando a acordos
que lhe rendam ganhos financeiros.
Ademais, a Justiça do Trabalho é norteada pelo
princípio da simplicidade. Ele é essencial quando o empregado faz uma reclamação
trabalhista sem estar assistido por advogado: como o empregado não estará com
assistência jurídica, esse princípio impede que a petição inicial seja
indeferida pelo magistrado, garantindo o acesso do trabalhador ao Judiciário.
No entanto, esse princípio também vale quando a parte está representada
por advogado. Assim, os reclamantes não têm a obrigação de seguir todas as
regras e técnicas processuais, o que prejudica as empresas ao ponto de
serem condenadas por algo que não tenha sido pedido no início do processo.
Diante disso, o ideal seria que esse princípio
tivesse eficácia plena apenas se a parte não estivesse sendo
representada por advogado.
Tudo isso cria incentivos para verdadeiras
aventuras jurídicas, em que reclamantes tentam aproveitar-se de brechas legais.
A consequência fica clara nos números: um levantamento do sociólogo José Pastore e dados do TST mostram
que o Brasil tem 3
milhões de novas reclamações trabalhistas por ano, ao passo que
nos Estados Unidos o número de processos não passa de 75 mil; na França,
70 mil; e no Japão, 3,5 mil processos.
Os juízes da justiça do trabalho
acreditam que ela deve ter caráter de distribuição de renda
No 1º semestre de qualquer curso de direito,
aprende-se que a função do judiciário é, "diante de recursos escassos, resolver
conflitos de interesses", evitando, assim, a autotutela e a "lei do mais
forte".
Porém, recentemente, magistrados fizeram uma
declaração afirmando que o escopo da justiça trabalhista é a
distribuição de renda. Em vários livros de direito do trabalho,
encontram-se lições que colaboram com esse entendimento.
Conforme o gráfico abaixo, de fato, os valores que
os reclamantes receberam na última década foram superiores aos enormes
custos de funcionamento da Justiça do Trabalho.

Diante desses dados, o leitor pode de fato pensar
que a Justiça do Trabalho cumpre seu papel como agente político da distribuição
de renda. Entretanto, ao analisarmos mais a fundo, constatamos que apenas os gastos para as empresas litigarem na justiça
do Trabalho passam de 10 bilhões de reais anualmente, aumentando
os preços de seus produtos e serviços.
Com isso, o maior prejudicado passa a ser o
consumidor final, que arca indiretamente com tais despesas.
Além disso, se considerarmos que esse ramo
especial do poder judiciário tem a autodeclarada função distributivista, não seria
nada desarrazoado concluir que os juízes do trabalho são bem menos imparciais
que os juízes da justiça comum.
Essa constatação é pertinente porque essa forma de
pensar colide com aquela da justiça comum. Se essa ideia for levada a
cabo, o devido processo legal pode ficar prejudicado, uma vez que o conteúdo
probatório fica em segundo plano. De acordo com esse entendimento, o livre
convencimento do magistrado — que tende a favorecer o empregado — torna-se
mais valorizado.
Ao tratarmos de contratos trabalhistas, outro fato
curioso a analisar é o da postura adotada por empresas estrangeiras no país.
Elas afirmam que, ao seguir no Brasil um contrato de trabalho idêntico ao que
utilizam na Europa, suas perdas nas disputas judiciais são maciças. Se lá
costumam ganhar em torno de 90% dos processos, por aqui o número se inverte. (Altos
executivos do HSBC sugeriram explicitamente que as incertezas causadas pela
Justiça do Trabalho levaram
o banco a sair do país.)
Tudo isso colabora para maiores custos de transação
em terras tupiniquins, dificultando ainda mais o aumento da produtividade, adormecida por aqui há 5
décadas.
O advogado e professor Rodrigo
Saraiva Marinho analisa a problemática da seguinte forma:
A
Justiça do Trabalho parte do pressuposto de que há uma hipossuficiência na
relação trabalhista: a premissa é que o empregado é explorado pelo empregador.
Essa é a base central da teoria da exploração, de cunho marxista. Ela é baseada
na ideia de direitos sociais, e significa dizer que alguém precisa dar uma
prestação positiva para outrem no sentido de melhorar a vida desse
terceiro.
O
que acontece no Brasil é que a justiça do Trabalho é uma "justiça
ideológica" e não tem uma função clássica do judiciário, que é resolver
conflitos. Grande parte dos conflitos poderia ser resolvida pela arbitragem,
como é feito em quase todos os lugares do mundo.
Esse
panorama só pode ser modificado por meio de novas ideias, no sentido de
demonstrar que a relação tem de ser vista numa posição de cooperação, não de
exploração. É como costuma ser ao redor do mundo.
Como será a reforma trabalhista?
Inicialmente, vale ressaltar que a atual propositura
das reformas do governo Temer não são fruto da ideologia do presidente, mas sim
de necessidade. O PMDB é fisiológico. As medidas são
tentativas de fazer o país voltar a crescer em um panorama de déficit estatal de 587
bilhões de reais.
A flexibilização trabalhista defendida por Temer em seu discurso de posse pode
se tornar pauta prioritária no 2º semestre de 2017. Aliás, temos a menor
bancada sindical em 14 anos, o que pode facilitar a aprovação dessa reforma.

Contudo, como de praxe, a disposição dos
parlamentares em realizar reformas mais amplas é baixa. Isso vale tanto para a Previdência Social quanto
para a modernização das leis trabalhistas. Logo, se houver alguma modificação
legislativa, ela tende a ser pontual.
A proposta do governo federal é flexibilizar as relações entre
empregados e empregadores. Assim, seu objetivo
é possibilitar negociações como, por exemplo, o parcelamento do 13º
salário e a redução do intervalo de almoço. Porém, resultados mais
eficazes poderiam ser obtidos ao se diminuir a quantidade de encargos pagos
pelo empresário ao governo em cima de cada salário, mas, infelizmente, o governo já declarou que isso não será
colocado em pauta na reforma.
Conclusão
Da forma como o sistema funciona hoje,
os direitos trabalhistas não são efetivamente dos trabalhadores.
Eles usufruem deles, mas, se de fato pertencessem a eles, poderiam ser livremente
negociados.
Portanto, é uma falácia argumentar que essa
reforma eliminaria os "direitos dos trabalhadores". Como demonstrado, ela
atuaria exatamente no sentido contrário, de modo a
conceder-lhes a posse definitiva de tais direitos,
oportunizando-lhes, então, decidir a melhor forma de se beneficiar dessas
garantias.
São necessárias mudanças na formação jurídica
também, com a inclusão dos conteúdos de Análise
Econômica do Direito e Teoria da Escolha
Pública, para que a próxima geração de juristas do direito do
trabalho tenham uma visão mais consequencialista do direito.
Esclareço: não se trata de dizer que não há abusos
na relação contratual de trabalho por parte dos empregadores. Em nenhum momento
se afirma isso. Apesar disso, não podemos deixar de notar que essa legislação
paternalista prejudica de maneira considerável os próprios trabalhadores
brasileiros — principalmente os de menor instrução. Possibilitar a terceirização, por exemplo,
seria uma boa medida para
começar a reverter esse quadro.
É importante salientar, aliás, que as empresas
brasileiras ainda falham muito ao buscar engajar seus funcionários na
atuação colaborativa, o que se chama de "visão de dono". Para que
isso ocorra com sucesso, é preciso conciliar os valores individuais dos empregados
com os valores da empresa. Mas, esse é um processo ainda em fase inicial por
aqui, e tal mudança cultural pode demorar bastante para chegar ao nosso
ordenamento jurídico — ainda mais porque dependemos dos nossos representantes
no Congresso.