quarta-feira, 22 jun 2016
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Marinha Real da
Inglaterra impôs um bloqueio à Alemanha na esperança de frustrar o comércio
entre a Alemanha e os EUA. Ato contínuo,
as exportações dos EUA para a Alemanha desabaram.
Porém, do nada, as exportações americanas para a
Suécia e demais países escandinavos aumentaram acentuadamente. Moral da história: o comércio entre os EUA e
a Alemanha continuou normalmente, mas agora via países escandinavos.
Na década de 1970, todos os países não-árabes da
OPEP impuseram um "embargo do petróleo" aos Estados Unidos. À época, o preço em dólar do barril de
petróleo explodiu, embora por outras razões (commodities são precificadas em
dólar, e o poder de
compra do dólar, à época, estava em queda livre), mas o fato é que as
importações de petróleo pelos EUA na verdade aumentaram após o "embargo".
O que explica essa aparente contradição?
Ao passo que alguns membros da OPEP optaram por não vender petróleo
diretamente para os EUA, eles não tinham como controlar o destino final do
petróleo que vendiam para todos os outros países. E estes revendiam para os EUA.
Conclusão: se produzimos algo, o fazemos com o
intuito de transacionar com terceiros, independentemente de sanções, bloqueios,
embargos simbólicos e, sim, uniões de países.
Os exemplos acima valem ser relembrados por causa de
toda a histeria que está acometendo os partidários do "permanecer" no referendo que ocorrerá
amanhã e que definirá se o Reino Unido deve permanecer ou sair da União
Europeia. Supondo que os eleitores
britânicos optem por sair da União Europeia, isso não acarretará uma repentina
interrupção do comércio entre os indivíduos na União Europeia e os indivíduos
do Reino Unido.
O comércio é o propósito supremo do nosso trabalho;
trabalhamos e produzimos para poder adquirir bens e serviços; e dado que a
Inglaterra é um dos países mais prósperos do mundo, é tolice acreditar que os
produtores e exportadores da União Europeia abrirão mão de seus consumidores do
Reino Unido. Igualmente, os países da
União Europeia são similarmente prósperos e continuarão sendo um mercado
atrativo para as empresas do Reino Unido.
Nenhum dos lados abrirá mão de suas relações comerciais.
No que tange a investimentos, um recente
artigo do The New York Times
sugeriu que uma diminuição no número de IPOs (empresas abrindo capital na bolsa
de valores) na bolsa de Londres se deve à incerteza quanto ao voto do
Brexit. Esse é um daqueles casos em que
correlação não implica causalidade. Os
EUA não fazem parte da União Europeia, mas a taxa de IPOs no país também
diminuiu. Inúmeros fatores podem estar
reduzindo os IPOs na Europa. O que é
improvável é que a incerteza quanto ao Brexit tenha algo a ver com isso.
E o motivo é que, assim como o comércio entre o
Reino Unido e a União Europeia continuará independentemente do resultado do
referendo de quinta-feira, também os fluxos de investimento continuarão
inalterados. Os EUA não fazem parte da
UE, tampouco sua moeda é a libra ou o euro, mas os fluxos de investimento do
Reino Unido para os EUA são maiores do que os de qualquer outro país. O investimento sempre migra para onde ele é
bem recebido e bem tratado, e isso não mudará caso os eleitores britânicos
optem por deixar a UE.
Tanto o Reino Unido quanto a União Europeia
continuarão sendo destinos atrativos para investimentos, independentemente de
qual seja o resultado de 23 de junho. E,
dado que eles continuarão sendo atrativos, é seguro dizer que os investimentos entre
os agora divorciados não irão acabar.
Falando mais amplamente, Londres continuará sendo um
dos principais centros financeiros do mundo, não importa o que aconteça
amanhã. Consequentemente, os bancos de
investimento do Reino Unido continuarão atendendo aos interesses dos atuais e
futuros empreendimentos da União Europeia.
Os principais negócios sediados na União Europeia não irão abrir mão da
expertise financeira oferecida pela City londrina por causa de uma votação.
Alguns negócios serão negativamente afetados pela
saída? Sem dúvidas. Assim como alguns contadores perderiam seus
empregos caso os governos facilitassem os códigos tributários, certamente há
consultores no Reino Unido que perderão seus empregos caso as empresas
britânicas não mais tenham de cumprir com as intrincadas regulamentações
impostas pela União Europeia. E
certamente há lobistas britânicos que hoje ganham muito dinheiro por causa de
sua habilidade em influenciar as decisões dos burocratas de Bruxelas. Essas pessoas seriam, no curto prazo,
prejudicadas. Mas, obviamente, não é
função dos cidadãos britânicos manter esses empregos artificiais.
Além do mais, uma saída do Reino Unido não significa
que as empresas do Reino Unido que queiram continuar servindo a clientes
europeus estarão isentas de cumprir com as regulamentações da UE. Consequentemente, vários "facilitadores"
manterão seus empregos.
Pensando nisso, uma das principais motivações dos
defensores da saída do Reino Unido é o desejo ardente de se livrar do crescente aparato
regulatório que emana de Bruxelas.
Sair da UE pode significar, em grande parte, o fim de todas as legislações
e regulamentações impingidas ao Reino Unido pelo estamento burocrático da União
Europeia. Isso é sempre bom. Qualquer voto em prol do encolhimento do
poder governamental é sempre um bom voto.
No entanto, sejamos sensatos aqui. Uma eventual decisão dos eleitores britânicos
de se retirar da UE não necessariamente significa uma renascente e ardorosa
paixão entre os britânicos por um governo altamente limitado e com baixas
regulamentações. Seria ótimo se isso
fosse verdade. Porém, é muito mais
realista imaginar que os burocratas britânicos irão avidamente preencher a
lacuna deixada por seus congêneres de Bruxelas.
Mais: é seguro dizer que as empresas do Reino Unido que fazem comércio
com os países da UE continuarão tendo de aquiescer integralmente com todas as
regras impostas por Bruxelas. Sendo
assim, os lobistas podem ficar tranqüilos, pois seus serviços continuarão sendo
demandados.
Outro argumento muito popular entre os partidários
do "Brexit" é o de que, ao se retirar da União Europeia, haverá uma diminuição
do influxo de imigrantes oriundos dos países da UE (principalmente os do Leste
Europeu) para o Reino Unido. Mas isso é
contraditório. A imigração é um claro
sinal de que um país está economicamente saudável. Imigrantes só emigram em massa para países
economicamente fortes. Consequentemente,
se o argumento dos partidários da saída é que isso deixará o Reino Unido mais
economicamente forte, então a imigração irá se intensificar, e não necessariamente
diminuir.
Por isso, é tolice acreditar que um Brexit significa
um fim aos fluxos de imigrantes. O
crescimento econômico é principal atrativo para imigrantes; logo, a menos que a
economia do Reino Unido imploda, vários estrangeiros continuarão encontrando
maneiras de entrar no Reino Unido. E se
os proponentes do Brexit estiverem corretos quanto à previsão de que uma saída
da UE significará a redução de regulamentações e burocracias (sem nenhuma
reposição por parte dos burocratas britânicos), então as consequências para o
crescimento econômico do Reino Unido serão muito positivas. Consequentemente, um número ainda maior de
imigrantes irá para o Reino Unido.
Outro argumento popular entre os partidários da
"saída" é o de que o euro, embora não faça parte da união monetária do Reino
Unido, é uma moeda disfuncional. A ideia
é a de que uma moeda única não pode funcionar porque não leva em conta as
diferentes realidades econômicas e as diferentes políticas econômicas dos
vários membros da União Europeia. Esse
talvez seja o argumento mais ignaro de todos.
Acreditar nisso significa dizer que o dólar sempre foi uma ideia
desastrosa, pois estados americanos pobres como Mississipi e Virgínia Ocidental
em nada se assemelham economicamente com estados ricos como Califórnia e Nova
York. [Ou Piauí e Maranhão com São Paulo
e Santa Catarina]. Tolice pura.
Uma moeda é um meio de troca utilizado para
facilitar o comércio e os investimentos.
Nada mais. Se há um problema com
o euro é o de sua falta de estabilidade em termos de valor (mal esse que
acomete todas as moedas geridas por governos), e não o fato de que a Alemanha
em nada se parece economicamente com a Grécia (ainda bem!). [Veja mais sobre o euro aqui.]
Como deveriam votar os eleitores britânicos amanhã? Deveriam votar pela saída da UE. Sempre que eleitores podem rejeitar algum
governo isso é bom. E os desdobramentos sobre a burocracia da UE podem ser
ainda melhores. Se o Reino Unido sair, a
UE irá perder uma significativa fonte de receita, dado que o Reino Unido, em
termos líquidos, paga 136
milhões de libras por semana para
a União Europeia. E como as contas a pagar
da União Europeia já estão acumuladas em 19,6
bilhões de libras, será muito difícil os burocratas conseguirem recursos
adicionais com países em dificuldades financeiras, como França, Itália, Espanha
e Portugal, cujas dívidas já estão acima de 100% do PIB. Logo, todo esse dinheiro terá de vir da
Alemanha.
Tendo agora que direcionar mais fundos para o
orçamento da UE, a Alemanha também será convocada a cobrir a fatia daqueles
países que não mais são capazes de manter seu financiamento à UE. Por exemplo, a Grécia há muito tempo não
contribui nada para o orçamento da UE, dado que a Alemanha cobre
indiretamente suas contribuições por meio de empréstimos que a UE faz para a
Grécia. O mesmo provavelmente irá
acontecer quando Espanha e Itália tiverem novos problemas.
Os alemães, obviamente, não acharão nada atraente
essa ideia de ter de sustentar todo o arranjo sozinhos. Tudo isso inevitavelmente irá estimular um "Germanexit".
E, quando isso acontecer, acaba a União Europeia.
Mas isso, no entanto, é só especulação.
De concreto, e no que tange ao Reino Unido, qualquer
que seja o resultado de amanhã, os defensores apaixonados de ambos os lados
deveriam relaxar. Não importa o que
ocorra no dia 23 de junho, o comércio, os investimentos e a imigração entre o
Reino Unido e os países da UE continuarão na mesma, como se o referendo não tivesse
ocorrido.
Lamentavelmente, os governos também continuarão inchados
tanto no Reino Unido quanto no continente europeu. Por tudo isso, as paixões da ambos os lados
do "Brexit" estão bastante exageradas.
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Leia também:
O Reino Unido e sua eventual saída da União Europeia - quais as implicações?