segunda-feira, 4 abr 2016
Nota
Atualmente, existe uma diferença intransponível entre o
conservadorismo genuíno e o neoconservadorismo, este último uma aberração surgida
nos EUA e capitaneada por ex-trotskistas.
Genuínos conservadores nunca defenderam a
intromissão na vida alheia. Eles, por exemplo, são moralmente contra o uso de
drogas e contra a homossexualidade, mas sempre se opuseram veementemente a
qualquer tentativa do governo de moldar a sociedade, pois sabem que as consequências
que isso gera são ainda piores do que qualquer vício (algo que, em última
instância, é um problema apenas individual).
Genuínos conservadores defendem que a melhor maneira de se resolver problemas é
por meio do voluntarismo, da responsabilidade própria, da família, dos amigos e
da igreja, e não por meio de um governo monolítico que miraculosamente fará com
que o indivíduo passe a cuidar de si próprio e se torne uma pessoa melhor. Conservadores
genuínos sabem que o governo não pode fazer com que o indivíduo se aprume e
passe a seguir bons hábitos.
Similarmente, defender a invasão militar de países estrangeiros também nada tem
de conservador. Isso é uma plataforma
dos neoconservadores, um movimento formado em sua quase totalidade por indivíduos
ex-trotskistas que nunca abandonaram sua sanha intervencionista.
O problema é que esse genuíno conservadorismo possui uma de
suas raízes na chamada "Old Right" americana, a qual não era de raiz conservadora
mas sim libertária. A "Old Right" era um
movimento liderado por pessoas que passaram a ser desdenhosamente chamadas de
isolacionistas, simplesmente porque se recusavam a aceitar que o estado se
intrometesse em outros países. Essas mesmas pessoas também nunca aceitaram que
o estado se intrometesse na vida do indivíduo dando-lhes ordens sobre como
deveriam viver. Elas acreditavam que a
família e a religião é que deveriam ser o norte da vida de cada indivíduo, e
não os burocratas do estado.
Sua base era o liberalismo clássico.
Neste seu clássico artigo, Hayek ataca o
conservadorismo de estilo europeu, o qual, ao contrário do americano, não tem raízes
no liberalismo clássico. Pela luz da
história, os legítimos conservadores europeus foram os contra-revolucionários
franceses, o antigo partido Tory inglês e seu filhote, a
conhecida "Democracia-cristã", tão representada pelos partidos de direita na
Europa. De um modo simplificado, suas defesas se baseiam razoavelmente em
nacionalismo, corporativismo, estado assistencialista, estado moralizador, e
nuances do tipo. São posições que vêm desde os fins das monarquias
absolutistas.
Já o chamado "conservadorismo anglo-saxônico", em
especial o surgido nos EUA com a "Old Right", nada tem de conservador (sob a visão européia). Esse
conservadorismo americano se baseava na liberdade individual, na defesa da vida
e da propriedade, na liberdade de empreendimento e de comércio. Trata-se da essência da ideia de conservação
da liberdade, ideia essa oriunda diretamente do liberalismo clássico.
Em suma, ao contrário da Europa, nunca houve um conservadorismo
de raiz nos EUA. Os verdadeiros
conservadores — no sentido americano, e não no europeu — sempre foram os
liberais clássicos.
Neste artigo, Hayek ataca o tipo de conservadorismo
estatizante e nacionalista, muito em vigor na Europa e que se tornou
convencional nos EUA desde a tomada do Partido Republicano pelos neoconservadores. No Brasil, infelizmente, o tipo de
conservadorismo predominante é um desdobramento desse neoconservadorismo
americano.
Adicionalmente, o termo 'liberal' que aparece no
texto abaixo — que é como Hayek se auto-intitula — refere-se exatamente ao seguidor
do liberalismo clássico.
Como disse
Hans-Hermann Hoppe:
A Europa tem um passado feudal que é
notável até mesmo hoje em dia, em particular na forma de numerosas regulações
que restringem o comércio, ao passo que os Estados Unidos são marcadamente
livres desde seu passado. Em conexão com isto há o fato de que, por longos
períodos durante os séculos XIX e XX, a Europa tem sido moldada, mais que
qualquer outra ideologia política, por políticas de partidos conservadores, ao
passo que um partido genuinamente conservador jamais existiu nos Estados
Unidos.
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1. O conservadorismo não oferece
nenhum objetivo alternativo
Numa época em que a maioria dos movimentos
considerados progressistas advoga uma invasão cada vez maior da esfera da
liberdade individual (quase todos os projetos dos reformadores sociais de hoje
são realmente liberticidas), aqueles que prezam a liberdade tendem a resistir a
essa invasão com todas as suas energias.
Ao fazê-lo, geralmente se encontram lado a lado com
os que costumam resistir às mudanças.
Em questões de política corrente, eles praticamente
não têm outra escolha, hoje, senão apoiar os partidos conservadores. Contudo,
embora a posição que tentei definir também seja muitas vezes tida como
"conservadora", é bem diferente daquela à qual tradicionalmente se costuma
atribuir o termo.
Uma situação em que os defensores da liberdade se
unem aos verdadeiros conservadores em sua oposição comum a mudanças que ameaçam
igualmente seus ideais diferentes é muito perigosa. Por essa razão, é
importante distinguir claramente a posição que tomamos aqui daquela que sempre
foi conhecida — talvez com maior propriedade — como conservadora.
O
verdadeiro conservadorismo é uma atitude legítima, provavelmente necessária, e
com certeza bastante difundida, de oposição a mudanças drásticas.
Desde a Revolução Francesa, representa um papel importante na política
européia. Até o surgimento do socialismo, o oposto do conservadorismo era o
liberalismo. Este conflito não encontra equivalente na história dos Estados
Unidos da América, porquanto o que na Europa se chamava "liberalismo", nos EUA
representava a tradição comum, sobre a qual fora constituído o estado
americano: assim, o defensor da tradição americana era um liberal no sentido
europeu.[1]
A confusão piorou com a recente tentativa de
transplantar para a América o tipo europeu de conservadorismo, que, por ser
alheio à tradição americana, assumiu caráter de certo modo singular. Para piorar,
os radicais e socialistas americanos já haviam começado a se denominar
"liberais". Não obstante, continuarei, por enquanto, a chamar de liberal a
posição que defendo e que, acredito, difere tanto do verdadeiro conservadorismo
[europeu] quanto do socialismo. Contudo, devo esclarecer, desde já, que o faço
com crescente apreensão e que mais tarde terei de considerar qual seria a
denominação mais adequada para o partido da liberdade. Isto decorre não apenas
de o termo "liberal" nos Estados Unidos ser, hoje, causa de constantes
equívocos, como também de, na Europa, o tipo predominante de liberalismo
racionalista vem abrindo caminho para o socialismo.
Direi agora o que considero a objeção decisiva ao
verdadeiro conservadorismo: por sua própria natureza, o conservadorismo não
pode oferecer uma alternativa ao caminho que estamos seguindo. Por resistir às
tendências atuais poderá frear desdobramentos indesejáveis, mas, como não
indica outro caminho, não pode impedir sua evolução. Por esta razão, o destino
do conservadorismo tem sido invariavelmente deixar-se arrastar por um caminho
que não escolheu.
A luta pela supremacia entre conservadores e
progressistas só afeta o ritmo, não o rumo dos acontecimentos contemporâneos. E, embora seja necessário frear o ritmo da evolução
de determinadas políticas, pessoalmente não posso limitar-me a ajudar a puxar o
freio. Acima de tudo, os liberais devem perguntar não a que velocidade estamos
avançando, nem até onde iremos, mas para onde iremos.
Com efeito, o liberal difere muito mais do
coletivista radical dos nossos dias do que o conservador. Enquanto este
geralmente representa uma versão moderada dos preconceitos de seu tempo, o
liberal dos nossos dias deve opor-se, de maneira muito mais positiva, a alguns
dos conceitos básicos que a maioria dos conservadores compartilha com os
socialistas.
2. A relação triangular dos partidos
O quadro geralmente apresentado da posição relativa
dos três partidos contribui muito mais para confundir do que para esclarecer
suas verdadeiras relações. Habitualmente, a representação é a de posições
diferentes numa linha imaginária, com os socialistas à esquerda, os
conservadores à direita e os liberais mais ou menos ao centro. Nada mais
errôneo.
Se
utilizássemos um diagrama, a figura mais apropriada seria a de um
triângulo, com os conservadores ocupando um ângulo, os socialistas puxando para
o segundo e os liberais para o terceiro. Contudo, como os socialistas há muito
tempo exercem maior pressão, o que ocorreu foi que os conservadores tenderam a
ser arrastados pelo pólo socialista mais que pelo pólo liberal e, sempre que
lhes convinha, adotaram as idéias que a propaganda radical fazia parecer
respeitáveis.
Comumente, foram os conservadores que fizeram mais
concessões ao socialismo, chegando mesmo a empunhar suas bandeiras. Defensores
da política de centro, desprovidos de objetivos próprios, os conservadores
sempre se pautaram pelo princípio de que a verdade está entre os extremos — e,
consequentemente, mudam sua posição toda vez que um movimento mais radical
surge em qualquer um dos lados.
A posição que em determinada época podemos definir
corretamente como conservadora depende, portanto, do rumo das tendências
existentes no momento. Como, nessas últimas décadas, a evolução tem seguido em
geral o rumo do socialismo, pode parecer que tanto conservadores quanto
liberais se tenham preocupado basicamente em freá-la. Contudo, a verdade é que,
fundamentalmente, o liberalismo quer tomar outro caminho, e não permanecer
parado.
Embora hoje possa, às vezes, subsistir a impressão
contrária — porque houve uma época em que o liberalismo era mais amplamente
aceito e alguns de seus objetivos estavam mais próximos de ser alcançados—, o
liberalismo clássico nunca foi uma doutrina retrógrada. Jamais existiu período
em que os liberais tivessem encontrado sua realização plena e em que o
liberalismo não esperasse um aperfeiçoamento ainda maior das instituições.
O liberalismo clássico não é contrário à evolução e
à mudança; e, nos casos em que transformações espontâneas são asfixiadas pelo
controle governamental, advoga profundas reformas na política de governo. No
que diz respeito à maioria das atividades governamentais, no mundo de hoje, os
liberais não têm por que preservar a situação como está.
Na verdade, o liberal clássico acredita que o mais
urgente e necessário em quase todo o mundo seja a eliminação completa dos
obstáculos à evolução espontânea.
O fato de nos Estados Unidos ainda ser possível
defender a liberdade individual defendendo as instituições mais antigas não nos
deve impedir de perceber a diferença entre liberalismo e conservadorismo. Para
o liberal estas instituições são preciosas não porque existem já muito tempo,
ou porque são americanas, mas porque correspondem aos ideais que tanto preza.
3. A diferença básica entre
conservadorismo e liberalismo
Antes de considerar os pontos principais nos quais a
atitude liberal se opõe de maneira definitiva à atitude conservadora, devo
salientar que os liberais poderiam ter aprendido e se beneficiado muito com as
obras de alguns pensadores conservadores. Devemos ao seu dedicado e reverente
estudo do valor de algumas instituições análises profundas (pelo menos fora da
área econômica), que constituem verdadeiras contribuições à nossa compreensão
de uma sociedade livre.
Por mais reacionários que possam ter sido na
política homens como Coleridge, Bonald, De Maistre, Justus Möses ou Donoso
Cortès, eles mostraram uma compreensão do significado das instituições que
evoluíram espontaneamente, como por exemplo, o idioma, o direito, a moral e as
convenções. Mas a admiração dos conservadores pela evolução espontânea
geralmente se aplica apenas ao passado. Em geral, falta-lhes a coragem de
aceitar as mudanças não planejadas das quais surgirão novos instrumentos da
realização humana.
Com isso, chegamos ao primeiro ponto no qual as
atitudes liberais e conservadoras diferem radicalmente. Como muitas vezes os
escritores conservadores reconheceram, uma das principais características da
atitude conservadora é o medo da mudança, uma desconfiança tímida em relação ao
novo enquanto tal[2],
ao passo que a posição liberal se baseia na coragem e na confiança, na
disposição de permitir que as transformações sigam seu curso, mesmo quando não
podemos prever aonde nos levarão.
Não haveria por que contestar os conservadores se
eles simplesmente não gostassem de mudanças muito rápidas nas instituições e na
política de governo; de fato, neste caso, justifica-se o cuidado e o lento
progresso. Mas os conservadores tendem a utilizar os poderes do governo para
impedir as mudanças ou limitar seu âmbito àquilo que agrada às mentes mais
tímidas.
Ao contemplar o futuro, carecem de fé nas forças
espontâneas de ajustamento, que levam os liberais a aceitar mudanças sem
apreensão, mesmo sem saber como as adaptações necessárias se efetivarão. Com
efeito, faz parte da atitude liberal supor que, especialmente no campo
econômico, as forças auto-reguladoras do mercado de alguma maneira gerarão os
necessários ajustamentos às novas condições, embora ninguém possa prever como
farão isso no caso particular.
Talvez não exista um fator que contribui mais para
as pessoas frequentemente se mostrarem relutantes em deixar que o mercado
funcione do que sua incapacidade de conceber como, sem controle deliberado,
pode surgir o equilíbrio necessário entre a oferta e a procura, entre as
importações e as exportações, e assim por diante. O conservador só se sente
seguro e satisfeito quando tem a garantia de que alguma sabedoria superior
observa e supervisiona as mudanças; somente quando sabe que há uma autoridade
encarregada de verificar que elas se dêem dentro da "ordem".
Esse temor em confiar em forças sociais
incontroladas está intimamente ligado a duas outras características do
conservadorismo: sua paixão pela autoridade e sua falta de compreensão das
forças econômicas.
Como não confia nem em teorias abstratas nem em
princípios gerais[3],
não compreende as forças espontâneas nas quais se baseia uma política de
liberdade nem dispõe de bases para formular princípios de política de governo. Para
os conservadores, a ordem aparece como o resultado da atenção contínua da
autoridade, à qual, para tanto, se deve permitir tomar qualquer medida
necessária em circunstâncias especificas, sem que se precise ater-se a uma
norma rígida.
A aceitação de princípios pressupõe uma compreensão
das forças gerais que coordenam as ações humanas na sociedade; porém, é
exatamente de tal teoria da sociedade e em especial da teoria do mecanismo
econômico que o conservadorismo evidentemente carece. O conservadorismo foi
completamente incapaz de elaborar um conceito geral sobre a maneira pela qual a
ordem social consegue sustentar-se; e seus modernos defensores, ao tentar
construir uma base teórica, quase sempre acabaram apelando quase exclusivamente
para autores que se consideravam liberais. Macaulay, Tocqueville, Lord Acton e
Lecky certamente se consideravam liberais e com justiça; e mesmo Edmund Burke
permaneceu um Whig da
velha guarda até o fim e estremeceria à simples idéia de ser considerado
um Tory.
Voltemos, porém, ao assunto principal, que é a
característica complacência dos conservadores com os atos da autoridade
estabelecida e sua preocupação primordial de que essa autoridade não seja
enfraquecida (e não de que seu poder seja mantido dentro de certos limites).
Isto não se concilia com a preservação da liberdade.
Em termos gerais, poderíamos afirmar que o
conservador não se opõe à coerção ou ao poder arbitrário, desde que utilizados
para fins que ele julga válidos. Ele acredita que, se o governo for confiado a
homens probos, não deve ser limitado por normas demasiado rígidas. Como se
trata de indivíduo essencialmente oportunista e desprovido de princípios, ele
espera que os bons e os sábios governem, não meramente pelo exemplo, como todos
queremos, mas por uma autoridade a eles conferida e por eles exercida.[4]
Como o socialista, o conservador preocupa-se menos
com o problema de como deveriam ser limitados os poderes do governo do que com
o de quem irá exercê-los; e, como o socialista, também se acha no direito de impor
às outras pessoas os valores nos quais acredita.
Quando digo que o conservador carece de princípios,
não quero com isso afirmar que ele careça de convicção moral. O conservador
típico é, de fato, geralmente um homem de convicções morais muito fortes. O que
quero dizer é que ele não tem princípios políticos que lhe permitam promover,
junto com pessoas cujos valores morais divergem dos seus, uma ordem política na
qual todos possam seguir suas convicções. É o reconhecimento desses princípios o
que possibilita a coexistência de diferentes sistemas de valores, a qual, por
sua vez, permite construir uma sociedade pacífica, com um emprego mínimo da
força. Sua aceitação significa que podemos tolerar muitas situações com as
quais não concordamos.
Há muitos valores conservadores que me atraem mais
do que muitos valores socialistas, porém a importância que um liberal atribui a
objetivos específicos não lhe serve de justificativa suficiente para obrigar
outros a submeter-se a eles. Não conheço nenhum princípio geral ao qual
recorrer para persuadir os que têm opinião diferente de que determinadas
medidas que eles defenderm são inaceitáveis na sociedade que eu e eles
desejamos. Para conviver com os outros é preciso muito mais do que fidelidade
aos nossos objetivos concretos. É necessário um comprometimento intelectual com
um tipo de ordem em que, até nas questões que um indivíduo considera
fundamentais, os demais têm o direito de buscar objetivos diferentes.
É por esse motivo que para o liberal os ideais
morais, bem como os ideais religiosos, não podem ser objeto de coerção,
enquanto conservadores e socialistas não reconhecem esses limites. Às vezes,
penso que o atributo mais marcante do liberalismo, que o distingue tanto do
conservadorismo quanto do socialismo, é a idéia de que convicções morais quanto
a questões de conduta — que não interferem diretamente com a esfera individual
protegida pela lei — não justificam a coerção dos demais.
Isso também pode explicar por que parece muito mais
fácil para o socialista arrependido encontrar um novo lar espiritual entre os
conservadores [daí a ascensão do
neoconservadorismo] do que entre os liberais.
Em última análise, a posição conservadora baseia-se
no princípio de que, em qualquer sociedade, há indivíduos reconhecidamente
superiores, cujos valores, padrões e posições precisariam ser protegidos, e que
deveriam exercer maior influência nos assuntos públicos do que os demais.
Obviamente, o liberal não nega que existam pessoas
superiores; ele não é um defensor do igualitarismo. O que ele nega é que
qualquer um possa ter a autoridade de decidir quem são essas pessoas
superiores. Enquanto os conservadores tendem a defender uma determinada
hierarquia estabelecida e pretendem que a autoridade proteja o status daqueles
que eles prezam, os liberais acreditam que não há respeito por valores
estabelecidos que justifique o recurso ao privilégio ou ao monopólio ou a
qualquer poder coercitivo do estado para proteger estas pessoas das forças da
transformação econômica.
Embora o liberal esteja plenamente cônscio do
importante papel que as elites culturais e intelectuais representaram no avanço
da civilização, também crê que essas elites devem dar provas da capacidade de
manter sua posição obedecendo às mesmas normas aplicadas a todos os outros.
Na esfera econômica, portanto, a oposição dos
conservadores a um exagerado controle governamental não constitui uma questão
de princípio, mas visa aos objetivos específicos do governo. Os conservadores
geralmente se opõem às medidas coletivistas e dirigistas na área industrial e,
neste caso, os liberais frequentemente encontrarão neles aliados. Mas, ao mesmo
tempo, os conservadores adoram comumente uma atitude protecionista e já, muitas
vezes, apoiaram medidas socialistas na agricultura.
De fato, embora as restrições hoje feitas à
indústria e ao comércio sejam principalmente consequência de opiniões
socialistas, as restrições igualmente importantes na área da agricultura foram em
geral introduzidas pelos conservadores, em época anterior. E, em sua tentativa
de desacreditar a livre iniciativa, muitos líderes conservadores rivalizaram
com os socialistas.[5]
4. A fraqueza do conservadorismo
No campo puramente intelectual, há grandes diferenças
entre o conservadorismo e o liberalismo.
A típica atitude do conservadorismo não apenas constitui uma séria
fraqueza como também tende a prejudicar qualquer movimento que a ele se alie.
Os conservadores instintivamente acreditam que, mais
do que qualquer outro fator, são as novas idéias que ocasionam as mudanças.
Contudo, corretamente do seu ponto de vista, o conservadorismo teme novas
idéias porque não dispõe de princípios próprios para se opor a elas; e, por
desconfiar da teoria e faltar-lhe imaginação quanto a qualquer conceito que a
experiência ainda não tenha comprovado, o conservadorismo pauta seu
comportamento pelo conjunto de idéias herdadas em dado momento.
Este contraste se manifesta mais claramente nas
diferentes atitudes de ambas as tradições em relação ao avanço do conhecimento.
Embora o liberal não considere toda mudança um progresso, ele encara o avanço
do conhecimento como uma das metas principais do esforço humano e confia em que
lhe proporcione uma solução gradual para os problemas e dificuldades que
esperamos poder resolver. Sem preferir o novo apenas por ser novo, o liberal
está consciente de que é da essência da realização humana produzir o novo; e
está preparado para conviver com o novo conhecimento, goste ou não de seus
efeitos imediatos.
Pessoalmente, acho que o aspecto mais reprovável da
atitude conservadora é sua tendência a rejeitar novos conhecimentos, ainda que
bem fundamentados, porque desaprova algumas das conseqüências que aparentemente
decorrem deles — ou, mais francamente, seu obscurantismo. Não nego que os
cientistas, como qualquer pessoa, são dados a modismos e excentricidades e que
devemos ser cautelosos em aceitar as conclusões às quais os levam suas teorias
mais recentes. Mas os motivos de nossa relutância precisam ser racionais e não
devem ser condicionados pela consternação que sentimos quando as novas teorias
abalam nossas mais caras convicções.
Sou pouco paciente com os que se opõem, por exemplo,
à teoria da evolução ou às chamadas explicações "mecanicistas" dos fenômenos da
vida, simplesmente por causa de algumas consequências morais que, a princípio,
parecem decorrer dessas teorias, e ainda menos paciente com os que consideram
irreverente e ímpio indagar a respeito de certas questões. Ao recusar-se a
enfrentar os fatos, o conservador contribui para enfraquecer sua própria
posição.
Frequentemente, as conclusões que a mentalidade
racionalista tira das novas interpretações científicas de modo algum decorrem
delas. Contudo, somente se tomarmos parte da avaliação das consequências das
novas descobertas saberemos se elas se adaptam ou ao à nossa visão de mundo, e,
em caso afirmativo, como se adaptam. Caso se comprove que nossas convicções
morais dependem de pressupostos factuais errados, não seria moral defender tais
convicções recusando-nos a reconhecer os fatos.
Aliada à desconfiança dos conservadores em relação a
tudo que é novo e incomum está sua hostilidade ao internacionalismo e sua
tendência a um nacionalismo exagerado. Isto também contribui para enfraquecer
sua posição na luta das idéias, e não pode alterar o fato de as concepções que
estão modificando nossa civilização não respeitarem fronteiras. Entretanto, a
recusa de estudar novas idéias acaba simplesmente privando o indivíduo do poder
de opor-se efetivamente a elas quando necessário.
A evolução das idéias é um processo universal e
somente os que participam ativamente dos debates poderão exercer uma influência
significativa. Não é válido argumentar que uma idéia é antiamericana,
antibritânica ou antigermânica, tampouco um ideal errôneo ou perverso é melhor
somente por ter sido concebido por um de nossos compatriotas.
Muito mais poderia ser dito da estreita relação
entre conservadorismo e nacionalismo, mas não me deterei na questão porque pode
parecer que minha posição me impede de simpatizar com qualquer forma de
nacionalismo. Acrescentarei apenas que normalmente é a tendência nacionalista
que leva o conservadorismo a se aproximar do coletivismo: é muito pequena a
distância que vai entre pensar em termos de "nossa" indústria ou "nossos"
recursos e exigir que esse patrimônio nacional seja administrado de acordo com
o interesse nacional.
Contudo, quanto a esse aspecto, o liberalismo do
continente europeu derivado da Revolução Francesa praticamente não difere do
conservadorismo. Não é necessário dizer que esse tipo de nacionalismo é
plenamente compatível com um profundo respeito pelas tradições nacionais.
Porém, o fato de eu preferir e mesmo reverenciar algumas tradições de minha
sociedade não precisa obrigar-me a ser hostil a tudo que seja incomum e
diferente.
Somente à primeira vista pode parecer paradoxal que
o anti-internacionalismo conservador seja tão frequentemente associado ao
imperialismo. Na verdade, quanto mais uma pessoa não gosta do que é diferente e
julga superiores os seus métodos, mais tenderá a considerar sua missão
"civilizar" os demais, não pelas relações livres e voluntárias preferidas pelos
liberais, mas proporcionando-lhes as graças de um governo eficiente.
É significativo que nesse aspecto habitualmente
encontremos os conservadores de mãos dadas com os socialistas, contra os
liberais, não apenas na Inglaterra, onde os Webb e seus
fabianos eram francamente favoráveis ao imperialismo, ou na Alemanha, onde
o socialismo de estado e o expansionismo colonial caminhavam lado a lado e
encontravam apoio do mesmo grupo de "socialistas de cátedra", mas também nos
Estados Unidos, onde, até durante o mandato de Theodore Roosevelt, se observou
que "os jingoístas e os reformadores sociais[6] se
uniram e formaram um partido político que ameaçou tomar o governo e utilizá-lo
para seu programa de paternalismo cesarista, perigo que agora parece ter sido
conjurado somente pelo fato de que os outros partidos adotaram seu programa
abrandando seu conteúdo e forma".[7]
5. Racionalismo, anti-racionalismo e
irracionalismo
Há um aspecto, porém, em que podemos afirmar que o
liberal ocupa uma posição de centro, a meio caminho entre o socialista e o
conservador: ele está tão distante do racionalismo primitivo do socialista, que
pretende reconstruir todas as instituições de acordo com um padrão prescrito
por sua razão individual, quanto do misticismo ao qual o conservador frequentemente
precisa recorrer.
Aquilo que defini como sendo a "posição liberal" tem
em comum com o conservadorismo uma desconfiança em relação à razão, na medida
em que o liberal está muito consciente de que não sabemos todas as respostas e
não tem certeza de que as respostas de que dispõe sejam de fato as certas ou
mesmo se poderemos ter respostas para tudo. Além disso, o liberal não se recusa
a buscar o apoio de quaisquer hábitos ou instituições não racionais que
revelaram válidos.
O liberal difere do conservador na disposição de
aceitar esta ignorância e de admitir que sabemos muito pouco, sem reivindicar
uma autoridade de origem supranatural do conhecimento sempre que rua razão
falhar. Deve-se admitir que o liberal, em alguns casos, é fundamentalmente um
cético[8] —
mas aparentemente é necessário certo grau de desconfiança para deixar que os
outros busquem sua felicidade à sua maneira e para defender com coerência esta
tolerância, que é uma característica essencial do liberalismo.
Isto não significa necessariamente que um liberal
não tenha uma convicção religiosa. Ao contrário do racionalismo da Revolução Francesa,
o verdadeiro liberalismo não é contrário à religião, e apenas posso deplorar a
militância anti-religiosa, essencialmente não-liberal, que animou grande parte
do liberalismo no continente europeu no século XIX.
No entanto, tal característica não é essencial ao
liberalismo, como o demonstram claramente seus ascendentes ingleses, os antigos
Whigs, que, ao contrário, talvez simpatizem demais com uma determinada crença
religiosa. Nesse aspecto, o que distingue o liberal do conservador é que, por
mais profundas que sejam suas convicções espirituais, ele nunca se considerará
no direito de impô-las aos demais e o fato de, para ele, o espiritual e o
temporal serem esferas distintas que não devem ser confundidas.
6. A denominação do partido da liberdade
O que afirmei até agora deveria bastar para explicar
por que não me considero um conservador. Muitos pensarão, contudo, que essa
posição dificilmente corresponde ao que costumavam chamar de "liberal".
Portanto, verificaremos agora se esta denominação ainda é adequada ao partido
da liberdade.
Já observei que, embora durante toda minha vida eu
me tenha definido um liberal, nos últimos tempos tenho feito isto com crescente
apreensão — não apenas porque nos Estados Unidos o termo liberal dá margem a constantes equívocos, mas também porque me
venho tornando cada vez mais consciente da grande distância existente entre a
minha posição e a do liberalismo racionalista do continente europeu ou mesmo a
do liberalismo inglês dos utilitaristas.
Ficaria extremamente orgulhoso de me definir um
liberal, se liberalismo ainda tivesse o significado que lhe atribuiu um
historiador inglês que, em 1827, falava da revolução de 1688 como o "triunfo
dos princípios que, na linguagem de hoje, são chamados liberais ou
constitucionais"[9],
ou se ainda pudéssemos, com Lord Acton, classificar Burke, Macaulay e Gladstone
como os três maiores liberais, ou se fosse ainda possível, com Harold Laski,
considerar Tocqueville e Lord Acton "os liberais mais autênticos do século
XIX".[10]
Porém, por mais que me sinta tentado a julgar o
liberalismo desses pensadores um verdadeiro liberalismo, devo reconhecer que os
liberais do continente europeu, em sua maioria, defenderam idéias às quais
aqueles pensadores se opuseram firmemente e que foram motivados mais pelo
desejo de impor ao mundo um padrão racional preconcebido do que pela vontade de
favorecer uma evolução espontânea. O mesmo ocorre como o movimento que se
denominou liberalismo na Inglaterra, pelo menos desde os tempos de Lloyd
George.
É, portanto, necessário reconhecer que o que chamei
de "liberalismo" pouca relação tem com qualquer movimento político que hoje
assim se denomina. Também se pode questionar se as associações históricas
evocadas atualmente por esse termo favorecem o êxito de qualquer movimento. É
possível discordar quanto à conveniência de, em tais circunstâncias, tentarmos
resgatar o termo daquilo que consideramos seu emprego incorreto. Pessoalmente,
acredito cada vez mais que utilizá-lo sem longas explicações gera enorme confusão
e que, como rótulo, se tornou mais obstáculo do que força motriz.
Nos Estados Unidos, onde se tornou quase impossível
usar o termo "liberal" no sentido em que o utilizei, emprega-se em seu lugar o
termo "libertário". Talvez esteja aí a resposta; no entanto, de minha parte,
considero-a particularmente sem atrativo. Em minha opinião, tem um excessivo
sabor artificial, de sucedâneo. Eu preferiria um termo que definisse o partido
da vida, o partido que apóia o crescimento livre e a evolução espontânea. Mas,
por mais que me esforçasse, não consegui encontrar um termo descritivo e
confiável.
7. Recorrendo aos velhos "Whigs"
Caberia recordar, entretanto, que, quando os ideais
que venho tentando reafirmar se difundiram pela primeira vez no mundo
ocidental, o partido que os representava tinha um nome famoso.
Foram os ideais dos Whigs ingleses
que inspiraram o que mais tarde ficou sendo conhecido em toda a Europa como o
movimento liberal[11]
e deram origem aos conceitos que os colonizadores americanos levaram consigo e
que os guiaram em sua luta pela independência e no estabelecimento de sua
Constituição.[12]
De fato, até o momento em que o caráter desta
tradição foi alterado pelas idéias oriundas da Revolução Francesa, com sua
democracia totalitária e suas inclinações socialistas, o partido da liberdade
era conhecido pelo nome Whig.
Esse termo morreu no país em que nasceu, em parte
porque, durante algum tempo, os princípios que ele representava deixaram de ser
distintivos de apenas um partido e, em parte, porque os homens que se
denominavam Whigs não permaneceram fiéis a seus princípios. Os
próprios partidos Whig do século XIX, tanto na Grã-Bretanha
quanto nos Estados
Unidos, acabaram fazendo cair em descrédito o nome do partido entre os
radicais.
Todavia, ainda é verdade que, como o liberalismo
tomou o lugar do whighismo somente depois que o movimento pela liberdade
absorveu o racionalismo grosseiro e militante da Revolução Francesa, e como
nossa tarefa em grande parte é libertar essa tradição das influências de um
exagerado racionalismo, nacionalismo e socialismo que nela penetraram, whighismo é
historicamente o nome correto para designar as idéias nas quais acredito.
Quanto mais aprendo a respeito da evolução das idéias, mais tenho consciência
de que sou um impenitente Whig da velha guarda.
O fato de me confessar um velho Whig obviamente
não significa que pretendo voltar à situação em que nos encontrávamos no fim do
século XVII. As doutrinas, formuladas pela primeira vez naquela época,
continuaram a crescer e a se desenvolver até os finais do século XIX, embora já
tivessem deixado de constituir o objetivo principal de um partido específico.
Desde então, aprendemos muitas noções que nos deveriam permitir reafirmar
aquelas doutrinas de maneira mais satisfatória e eficaz.
Entretanto, embora exijam uma reformulação à luz de
nosso conhecimento atual, os princípios básicos permanecem os mesmos dos
velhos Whigs. Indubitavelmente, a história mais recente do partido
com esta denominação levou alguns historiadores a se perguntar se de fato
existiu um corpo de princípios Whig; no entanto, só posso concordar
com Lord Acton em que, embora alguns "patriarcas da doutrina gozassem de
péssima fama, o conceito de uma lei superior, acima dos códigos municipais, com
a qual se iniciou o whighismo, constitui o feito supremo dos
ingleses e seu grande legado para a nação"[13] —
e, podemos acrescentar, para o mundo.
Trata-se da doutrina sobre a qual se assenta a
tradição comum dos países anglo-saxônios. É a doutrina da qual o liberalismo do
continente europeu absorve tudo que ela tem de mais valioso. É a doutrina em
que se fundamenta o sistema americano de governo. Em sua mais pura forma, é
representada nos Estados Unidos não pelo radicalismo de Jefferson, nem pelo
conservadorismo de Hamilton ou mesmo de John Adams, mas pelas idéias de James Madison, o "pai da
Constituição".
Não sei se ressuscitar esse velho nome será uma
medida prática. O fato de que para o povo, tanto nos países anglo-saxônios como
nos demais, hoje, o termo não possui conotações definidas talvez seja mais uma
vantagem do que uma desvantagem. Para as pessoas que conhecem a história das
idéias, é certamente a única denominação que expressa o significado da
tradição. E, se whighismo define o que os verdadeiros
conservadores e mais ainda os inúmeros socialistas que se tornaram
conservadores mais cordialmente odeiam, isto revela um instinto sadio de sua
parte. De fato, esta palavra define o único conjunto de ideais que sempre se
opôs a todo poder arbitrário.
8. Princípios e possibilidades práticas
Pode-se indagar se o nome do partido da liberdade é
realmente tão importante. Em um país como os Estados Unidos, que de modo geral
ainda tem instituições livres e onde, portanto, a defesa daquilo que existe é
quase sempre a defesa da liberdade, talvez não seja prejudicial os defensores
da liberdade se intitularem conservadores — embora, mesmo no país, sua
associação com indivíduos de natureza conservadora muitas vezes represente
motivo de constrangimento.
Até quando indivíduos apóiam as mesmas medidas ou
instituições, deve-se perguntar se eles as aprovam simplesmente porque existem
ou porque são intrinsecamente boas. Não se deve permitir que sua resistência
comum à tendência coletivista nos impeça de compreender que a crença na
liberdade integral se baseia essencialmente numa atitude de corajosa aceitação
do futuro e não em uma atitude nostálgica em relação ao passado, tampouco em
uma admiração romântica por aquilo que foi.
É, porém, absolutamente imperativa a necessidade de uma
distinção clara quando, como ocorre em vários países da Europa, os
conservadores já aceitaram em grande parte o credo coletivista — que já tanto
tempo domina a política, que muitas de suas instituições já são aceitas como um
fato consumado, constituindo motivo de orgulho para os partidos "conservadores"
que as criaram.
Nesse caso, os que acreditam na liberdade não podem
evitar o conflito com os conservadores e são obrigados a adotar uma atitude
basicamente radical contra os preconceitos populares, as posições de poder
estabelecidas e os privilégios profundamente arraigados. Tolices e abusos não
mudam sua essência apenas porque se tornaram princípios de política de governo
consagrados pelo tempo.
Embora a máxima quieta non movere possa,
em algumas ocasiões, conter muita sabedoria para o estadista, não pode
satisfazer um filósofo político. O filósofo pode desejar que certa medida seja
com cautela, e não antes que a opinião pública esteja preparada a apoiá-la; mas
não pode aceitar medidas apenas porque sancionadas pela opinião pública
corrente.
Em um mundo em que a necessidade básica se tornou —
como no início do século XIX — a de libertar o processo de crescimento
espontâneo dos obstáculos e das dificuldades criados pela insensatez humana, as
esperanças do filósofo político devem concentrar-se na persuasão e na obtenção
do apoio daqueles que por natureza são "progressistas", aqueles que, embora
atualmente busquem mudanças na direção errada, pelo menos estão dispostos a
examinar criticamente o que existe e a modificá-lo sempre que necessário.
A tarefa do filósofo político é influenciar a
opinião pública, e não organizar o povo para a ação. E ele terá êxito somente
se não se voltar para aquilo que é politicamente possível agora, mas sim defender
com firmeza "os princípios gerais duradouros", nas palavras de Adam Smith.
Nesse sentido, duvido que possa existir uma
filosofia política conservadora. O conservadorismo pode muitas vezes
representar um conceito útil e prático, mas não nos proporciona nenhum
princípio orientador capaz de influenciar a evolução futura.
[1] B.
Crick, "The Strange Quest for na American Conservatism", Review of
Politics, XVII (1955), 365, afirma com razão que "o americano normal que se
intitula 'conservador' é na verdade liberal". Parece que a relutância desses
conservadores em recorrer a essa denominação, mais adequada, só começou com o
abuso do termo durante a época do "New Deal", quando o termo [i]liberal[/i] foi
desvirtuado e passou a significar "progressista".
[2] Ver
Lord Hugh Cecil, Conservatism ("Home University Library"
[Londres, 1912]), página 9: "O conservadorismo natural [...] é uma atitude
contrária à mudança, que decorre em parte de certa desconfiança em relação ao
desconhecido".
[3] Ver
a reveladora descrição que o conservador K. Feilling faz de si mesmo em Sketches
in Nineteenth Century Biography (Londres, 1930), página 174: "A
direita, como um todo, tem horror a idéias, pois não é o homem prático, nas
palavras de Disraeli, 'aquele que põe em uso os erros de seus predecessores'?
Por longos períodos de sua história, os direitistas indiscriminadamente
resistiram a todos os avanços e, ao reclamar o respeito pelos antepassados,
muitas vezes costumam reduzir a opinião ao preconceito individual do passado.
Sua posição se tornará ainda mais fácil de ser defendida, porém mais complexa,
se acrescentarmos que esta direita domina incessantemente a esquerda; que ela
vive da constante inoculação de idéias liberais e desta forma sofre as
conseqüências de uma situação de compromisso que nunca chega a ser definida."
[4] Espero
que me desculpem por estar repetindo aqui as palavras com as quais, em outra
situação, defini uma importante questão: "O principal mérito do individualismo
que [Adam Smith] e seus contemporâneos defenderam é aquele de constituir um
sistema no qual os homens maus podem ocasionar um mínimo de prejuízo. Trata-se
de um sistema social que não depende para seu funcionamento de encontrarmos
bons homens para dirigi-lo, nem de que todos os homens se tornem melhores do
que são, mas de um sistema que utiliza homens em toda a sua variedade e
complexidade, algumas vezes bons e algumas vezes maus, algumas vezes
inteligentes e muitas vezes imbecis" (Individualism and Economic Order [Londres
e Chicago, 1948], página 11).
[5] J.
R. Hicks falou com propriedade, quanto a esse assunto, da semelhança entre as
"caricaturas do jovem Disraeli, de Marx e de Goebbels" ("The Pursuit of
Economic Freedom", What We Defend, Ed. E. F. Jacob (Oxford [Oxford University
Press, 1942], página 96). Sobre o papel dos conservadores a esse respeito ver
também a minha Introdução à obra Capitalism and the Historians, por
mim editada (Chicago: University of Chicago Press, 1954), páginas 19 e
seguintes.
[6] N.T.
– Referência ao "movimento progressista", que se iniciou em 1910 e se
cristalizou em 1911, com a fundação da Liga Nacional Republicana Progressista,
base de sustentação da candidatura do ex-presidente Theodore Roosevelt,
dissidente republicano e líder dos progressistas, à presidência dos Estados
Unidos na campanha de 1912.
[7] J. W. Burgess, The
Reconciliation of Government with Liberty (Nova Iorque, 1915), página
380.
[8] Cf.
Learned Hand, The Spirit of Liberty, Ed I. Dilliard (Nova Iorque,
1923), página 190: "O espírito da liberdade é aquele que não tem total
convicção de estar certo". Ver também a famosa frase de Oliver Cromwell em
sua Letter to the Gerneral Assembly of the Church of Scotland, 3 de
agosto de 1650: "Eu vos suplico, pelas entranhas de Cristo, pensai se não
estaríeis errados". É significativo que essa seja provavelmente a frase mais
conhecida do único "ditador" da história britânica!
[9] H. Hallam, Constitutional
History, 1827 (ed. "Everyman"), III, 90. Segundo se afirma
frequentemente, o termo "liberal" deriva do nome do partido dos liberales
espanhóis no início do século XIX. No entanto, estou mais inclinado a
acreditar que derive do termo utilizado por Adam Smith, por exemplo, em A Riqueza
das Nações, II, 41: "o sistema liberal de livre exportação e livre importação"
e página 216: "permitir que cada homem persiga seu interesse pessoal à sua
maneira, baseado na idéia liberal de igualdade, liberdade e justiça."
[10] Lord Acton em Letters
to Mary Gladstone, página 44. Ver também sua opinião a
respeito de Tocqueville em Lectures on the French Revolution (Londres,
1910), página 357: "Tocqueville era um Liberal da mais pura cepa — um liberal
e nada mais, profundamente desconfiado da democracia e seus congêneres,
igualdade, centralização e utilitarismo". Também em Nineteenth Century, XXXIII (1893), 885. A afirmação de H. J.
Laski ocorre em "Alexis de Tocqueville and Democracy", em The Social
and Political Ideas of Some Representative Thinkers of the Victorian Age,
ed. F. J. C. Hearnshaw (Londres, 1933), página 100, onde ele diz: "Penso
que é possível entender sua posição (Tocqueville) e a de Lord Acton a respeito
do poder total considerando que eram os liberais mais autênticos do século
XIX".
[11] Já
no começo do século XVIII, um observador inglês afirmava: "Praticamente nunca
vi um estrangeiro vivendo na Inglaterra, fosse ele de origem holandesa, alemã,
francesa, italiana ou turca, que não se tornasse Whig em pouco
tempo, depois de conviver conosco" (Citado por G. H. Guttridge, English Wiggism
and the American Revolution [Berkeley: University of California Press, 1942],
página 3).
[12] Nos
Estados Unidos, no século XIX, o uso do termo Whig infelizmente
apagou da memória o fato de que este mesmo termo, no século XVIII, representava
os princípios básicos que pautaram a revolução, conquistaram a independência e
moldaram a Constituição. Foi nas sociedades Whig que o jovem James Madison e
John Adams desenvolveram seus ideais políticos. (cf. E. M. Burns, James Madison
[New Brunswick, N. J.: Rutgers University Press, 1938], página 4); foram os
princípios Whig que, como Jefferson diz, orientaram todos os
juristas que constituíam a grande maioria dos signatários da Declaração da
Independência e dos membros da Comissão Constitucional (ver Writings of
Thomas Jefferson ["Memorial Ed." (Washington, 1905)], XVI, 156). A
defesa dos princípios Whig foi levada a tal ponto que mesmo os
soldados de Washington se vestiam com o tradicional "azul e ocre", as cores dos
Whigs, assim como os foxites (N. T.: seguidores de Charles James Fox
[1749-1806], político britânico que se tornou um dos mais destacados membros do
grupo Whig, liderado por Edmund Burke) do Parlamento britânico, que foram
preservadas até nossos dias nas capas da Edinburgh Review. Se uma
geração socialista fez do whiguismo seu alvo principal, esta é mais uma razão
para os adversários do socialismo defenderem esta denominação, hoje a única que
define corretamente os princípios dos liberais gladstonianos, dos homens da
geração de Maitland, Acton e Bryce, a última geração cujo objetivo principal
era a liberdade e não a igualdade ou a democracia.
[13] Lord Acton, Lectures on
Modern History (Londres, 1906), página 218.