quarta-feira, 22 fev 2017
Ter de trabalhar é algo coercivo? Ter de trabalhar representa um atentado contra
as liberdades individuais? A se julgar
pelo que dizem as esquerdas, e até mesmo a esquerda libertária, sim.
Para muitos progressistas, todo o necessário para se
abolir as liberdades de um indivíduo é fornecer a ele um emprego considerado ruim
(segundo os padrões progressistas). A Amazon, por exemplo, é constantemente
criticada pelo seu ambiente de trabalho, com vários detratores como o site Business
Insider chamando-o de "campo
de escravos".
[N. do E.: segundo a reportagem — que beira o
cômico para os padrões brasileiros —, a Amazon
comete o inaceitável crime de pagar um salário mínimo (em libras esterlinas),
exige metas de produtividade, e maliciosamente se recusa a empregar uma vultosa
mão-de-obra permanente (pois não quer correr o risco de lidar com sindicatos
grevistas), preferindo utilizar a agências de emprego para conseguir empregados
temporários. Para completar, a reportagem, em tom de espanto, diz que "apesar
dos baixos salários, há várias pessoas à procura desse emprego"].
Pode-se dizer que essa comparação entre "empregos ruins"
e campos de trabalho forçado — um luxo comparativo a que se podem dar apenas
os países ricos —, no mínimo, faz uma confusão básica a respeito da natureza
fundamental da coerção.
Vários esquerdistas, dentre eles a própria esquerda libertária
— como, por exemplo, Susan Webber do site Naked Capitalism —, argumentam que, dado que temos
de trabalhar para viver, o trabalho é uma atividade coerciva. Se você tem de fazer X para viver, então certamente
quem controla sua capacidade de fazer X está coagindo você.
O problema com esse argumento é que o estado natural
em que vivemos não é um paraíso rousseauniano, mas sim um lugar brutal no qual
a maioria morreria rapidamente caso o trabalho e o progresso não houvessem
criado moradias, vestuários e uma crescente quantidade de alimentos. O estado
natural do homem é o da pobreza. A pobreza sempre foi a condição natural e permanente do
homem ao longo da história do mundo.
E,
caso ainda estivéssemos nesse estado, estaríamos hoje diariamente efetuando um infindável
trabalho exaustivo e maçante apenas para caçar, matar e cozinhar qualquer coisa
que fosse capaz de nos manter vivos. A jornada
de trabalho abrangeria todo e qualquer momento do dia em que estivéssemos acordados,
e o salário seria apenas a refeição ocasional que conseguíssemos fazer.
E foi o capitalismo — empreendedorismo, divisão do
trabalho, propriedade privada, acumulação de capital e investimentos — quem praticamente aboliu essa condição miserável e nos proveu com a abundância com a
qual hoje estamos acostumados.
Não há nada impedindo as pessoas de voltarem a viver
nesse estado de coisas no mundo moderno — por exemplo, isolando-se numa
floresta —, mas a beleza do capitalismo é que ele nos oferece uma maneira para
sairmos dessa existência desgraçada e miserável.
As relações de trabalho são voluntárias
Quando uma empresa oferece um emprego a um indivíduo,
ela não o está ameaçando com a frase "trabalhe ou morra!", da maneira como faziam os
senhores de engenho; ela está simplesmente prometendo a este indivíduo que, se
ele ajudar a empresa a ser bem-sucedida, a empresa lhe dará dinheiro, o qual
representa um meio para melhorar seu padrão de vida. Trata-se de um arranjo moral: você me ajuda,
eu lhe ajudo.
Há também outro argumento
progressista muito frequentemente repetido: o ambiente de trabalho seria
coercivo em virtude de uma desigual distribuição de poder. Segundo tal raciocínio, o fato de os patrões poderem
demitir aqueles empregados que não fizerem X seria um ato de coerção.
Tal raciocínio, obviamente, desconhece a natureza do
trabalho e ignora o poder dos empregados.
Coerção, de acordo com o Oxford English
Dictionary, significa "a prática de induzir, pressionar ou compelir alguém
a fazer algo pela força ou ameaça." Envolve
uma ameaça de ferir alguém caso tal pessoa não faça X. Em uma prisão ou campo de trabalho forçado,
prisioneiros podem ser espancados ou mortos por não cumprirem ordens.
Isso é fundamentalmente diferente da promessa de um
empregador normal, o qual manterá uma relação voluntária com os empregados
enquanto essa relação for mutuamente benéfica. Enquanto o empregado estiver desempenhando um bom serviço, a empresa
continuará o ajudando a melhorar seu padrão de vida. No entanto, se o empregado não mais oferecer
valor para a empresa para a qual trabalha, então essa empresa não tem nenhuma obrigação
de continuar a ajudá-lo.
Recusar-se a continuar ajudando alguém que não mais
lhe ajuda é fundamentalmente diferente de usar de "força ou ameaça", estas sim
inerentes à coerção. O chicote de um
senhor de engenho piora a situação de uma pessoa que não faz o que lhe
mandam. Os salários continuamente pagos
por um patrão melhoram a situação de uma pessoa que faz o que lhe pedem.
Sim, é verdade que ser demitido pode deixar um
empregado em uma situação ruim. E isso é
ainda pior se ele for demitido sem aviso prévio.Trabalhar para uma empresa muito exigente, em
conjunto com a possibilidade real de ser repentinamente demitido caso não faça
um bom trabalho todos os dias, não constitui um tipo de emprego com o qual
todos nós sonhamos.
Porém, dizer que
isso é igual a um trabalho escravo chega a ser inclusive desrespeitoso para com
os empregados, pois se está denegrindo a empresa para a qual trabalham.
A comparação ignora o poder dos empregados. Eles podem sair de uma empresa sempre que
quiserem. Nada os proíbe disso. Mais ainda: o fato de poderem sair da empresa
sempre que quiserem lhes concede o poder de deixar seu empregador em uma situação
difícil. Em uma pequena empresa, um
empregado que pede demissão pode deixar a empresa sem a força de trabalho necessária
para continuar com seus serviços. Se um
contador repentinamente sair de uma empresa de contabilidade durante o período de
acerto do Imposto de Renda, essa empresa pode ficar em sérias dificuldades para
cumprir o prazo de seus acordos com seus clientes.
Mesmo em empresas grandes, empregados que
repentinamente pedem demissão geram custos para seus patrões. Os custos para se encontrar substitutos e
treiná-los podem variar entre
20 e 50% do salário anual desse empregado.
Ademais, esse tipo de comparação também ignora o
fato de que as pessoas tendem a encontrar empregos que representam sua melhor
alternativa. Esse é o caso da Amazon no Reino Unido, que foi
severamente criticada em 2013 por ter construído seus "centros de processamento"
em regiões que, segundo
o The Guardian, são "locais de
alta taxa de desemprego e poucas oportunidades econômicas". Ora, mas isso foi ótimo para esses
desempregados. Trabalhadores que até então
estavam sem empregos, correram para a Amazon
sabendo que, embora não fosse o trabalho dos sonhos, representaria uma
alternativa superior à realidade vigente deles: o desemprego.
Conclusão
A questão da coerção é importante de ser entendida
porque representa o cerne da diferença entre o governo e o setor privado. Se você não fizer X, o governo irá punir você:
ele pode confiscar seus
ativos, jogar você na cadeia e até mesmo matar você. Isso sim é genuína coerção. Em comparação, se um patrão pede a você para
fazer X, ele não pode lhe ameaçar; tudo o que ele pode fazer caso você diga 'não'
é parar de continuar lhe dando dinheiro.
Essa diferença ressalta a essencial liberdade que há
no mercado. Em qualquer tipo de relação de
mercado, um lado pode optar por se retirar e o outro lado não pode lhe infligir
nenhum malefício. Essa é uma liberdade
que notavelmente não existe em nossa relação com o governo.